Tbilisi

Guia de Viagem de Tbilisi - Guia de Viagem - Guia de Viagem

Situada na fenda profunda do vale do rio Mtkvari, envolta pelos contrafortes áridos da cordilheira Trialeti, Tbilisi, capital da Geórgia, é uma cidade moldada pelas forças gêmeas do mito e da topografia. Ocupa 726 quilômetros quadrados no leste da Geórgia, abrigando aproximadamente 1,5 milhão de habitantes em 2022. O próprio nome — derivado da palavra georgiana tbili, que significa "quente" — lembra as fontes sulfurosas que levaram o rei Vakhtang Gorgasali a estabelecer uma cidade aqui no século V. Reza a lenda que seu falcão caçador caiu em uma fonte termal e emergiu fervido ou milagrosamente curado. De qualquer forma, o evento marcou o início do que se tornaria uma das tapeçarias urbanas mais complexas do Cáucaso.

Geográfica e simbolicamente, Tbilisi ocupa um limiar. Situa-se literalmente numa encruzilhada: a Europa a oeste, a Ásia a leste, o Mar Cáspio nas proximidades e as montanhas do Grande Cáucaso guardando o norte. A narrativa em camadas da cidade — pontuada por destruição e renascimento, tendo sido arrasada e reconstruída nada menos que 29 vezes — preservou uma autenticidade rara e descuidada. A Cidade Velha, com suas casas de madeira tortas amontoadas em torno de pátios internos e vielas que resistem à lógica cartesiana, permanece praticamente intacta.

O clima de Tbilisi reflete sua hibridez. Protegida pelas cordilheiras circundantes, a cidade apresenta uma versão moderada do clima continental típico das cidades dessa latitude. Os invernos, embora frios, raramente são brutais; os verões, quentes, mas não ameaçadores. A temperatura média anual é de 12,7 °C. Janeiro, o mês mais frio da cidade, oscila perto de zero, enquanto julho atinge uma média de 24,4 °C. Os extremos recordes — -24 °C na parte inferior, 40 °C na parte superior — são lembretes da volatilidade meteorológica da cidade. A precipitação média anual é de pouco menos de 600 mm, com maio e junho contribuindo desproporcionalmente para esse número. Neblina e cobertura de nuvens são comuns na primavera e no outono, agarrando-se às colinas ao redor como um xale.

Apesar da idade da cidade, a infraestrutura moderna vem gradualmente ganhando força. A Praça da Liberdade, outrora um ponto de encontro e agora um núcleo simbólico, abriga o principal posto de turismo de Tbilisi. Aqui, é possível encontrar tanto orientação quanto nuances — um modesto ponto de partida para um lugar que se revela lentamente.

O acesso internacional a Tbilisi é relativamente fácil. O Aeroporto Internacional Shota Rustaveli de Tbilisi, embora pequeno para os padrões europeus, opera voos regulares que conectam a capital georgiana a cidades tão diversas quanto Viena, Tel Aviv, Baku e Paris. Os voos domésticos ainda são escassos, e quem busca tarifas mais baixas costuma considerar voar para o Aeroporto de Kutaisi, a cerca de 230 quilômetros a oeste. As conexões econômicas de Kutaisi para a Europa Central e Oriental — com passagens a partir de € 20 — atraem um número crescente de viajantes que fazem a viagem de quatro horas até Tbilisi de marshrutka ou trem.

A viagem do aeroporto ao centro da cidade é enganosamente simples no papel. O ônibus público 337 opera do início da manhã até pouco antes da meia-noite, passando por Avlabari, Avenida Rustaveli e Ponte Tamar antes de terminar na estação ferroviária principal. Um cartão Metromoney — usado para quase todas as formas de transporte público na cidade — reduz a tarifa para 1 lari. No entanto, a eficiência teórica dessa conexão é prejudicada por uma verdade local persistente: a confiabilidade do transporte pode ser irregular, e visitantes desavisados ​​são frequentemente interceptados por taxistas agressivos no aeroporto. Alguns desses motoristas, sem licença e extremamente oportunistas, inflacionam as tarifas muitas vezes, pressionando os passageiros com falas ensaiadas e persistência perturbadora. Aplicativos de transporte por aplicativo como Bolt e Yandex oferecem uma alternativa mais transparente, com tarifas tipicamente na faixa de 20 a 30 lari.

A estação ferroviária, conhecida localmente como Tbilisi Tsentrali, é um moderno híbrido comercial-palaciano. Localizada acima de um shopping center, a estação facilita viagens de trem nacionais e internacionais. Trens para Batumi, na costa do Mar Negro, partem duas vezes por dia, oferecendo uma viagem de aproximadamente cinco horas. Há também um trem noturno bastante movimentado para Yerevan, na vizinha Armênia, que cruza a fronteira tarde da noite e chega ao seu terminal ao amanhecer. Essas viagens costumam ser feitas em vagões-leito antigos soviéticos — funcionais, nostálgicos e confortáveis ​​o suficiente. Os trens para Baku, no Azerbaijão, permanecem suspensos devido às tensões regionais e aos tremores secundários persistentes da pandemia.

Em terra, as viagens intermunicipais são dominadas por marshrutkas — micro-ônibus que operam suas rotas com uma mistura de determinação e elasticidade. Há três estações rodoviárias principais em Tbilisi: a Praça da Estação, para conexões com as principais cidades georgianas; Didube, para rotas do noroeste, incluindo ônibus internacionais para a Turquia e a Rússia; e Ortachala, para destinos do sul e do leste, incluindo Armênia e Azerbaijão. Cada estação é um universo à parte, um lugar onde o conhecimento local supera a sinalização e onde perguntar a um colega passageiro costuma ser mais eficaz do que consultar um horário. Os preços variam muito e são ocasionalmente ajustados pelo motorista em tempo real — especialmente se o sotaque da pessoa trair origem estrangeira. Uma corrida de 10 lari para moradores locais pode se tornar discretamente uma tarifa de 15 lari para turistas.

Para quem prefere mais flexibilidade ou aventura, pegar carona continua sendo comum e notavelmente eficiente em toda a Geórgia. As artérias de trânsito de saída de Tbilisi tendem a se concentrar em centros regionais, e os motoristas costumam parar sem muita necessidade. Por outro lado, pegar carona para a cidade pode ser menos previsível devido à complexa malha rodoviária e à densa expansão urbana.

Uma vez dentro da cidade propriamente dita, Tbilisi oferece uma rede de transporte caótica, mas funcional. O metrô, com duas linhas que se cruzam, continua sendo a espinha dorsal da mobilidade pública. Construído durante a era soviética, ele mantém muito de sua atmosfera original — corredores escuros, escadas rolantes de metal, design utilitário —, embora muitas estações agora tenham sinalização bilíngue e iluminação aprimorada. Os ônibus, muitos recém-adquiridos, são mais fáceis de usar graças aos painéis eletrônicos e à integração com o Google Maps, mas entender as descrições das rotas — muitas vezes apenas em georgiano — ainda representa um desafio para os novatos.

Há também as marshrutkas, que continuam a atender rotas dentro da cidade, embora com menor previsibilidade. Essas vans, muitas vezes adaptadas de veículos comerciais, circulam por bairros fora do alcance das linhas de metrô e ônibus. Para sair, é preciso gritar "gaacheret" no momento certo, e o pagamento é entregue diretamente ao motorista. Apesar da informalidade, as marshrutkas continuam indispensáveis ​​para muitos moradores.

Táxis são baratos, especialmente quando chamados por aplicativos. Mas eles têm as mesmas ressalvas de qualquer lugar da região: sem taxímetro, sem regulamentação e, ocasionalmente, desorientados. Não é incomum que um motorista pare e peça informações no meio do caminho, mesmo dentro da cidade. É preciso ter paciência.

Nos últimos anos, surgiram formas alternativas de transporte. O uso de bicicletas, antes raro, está ganhando espaço, especialmente nos distritos mais planos de Vake e Saburtalo, onde faixas exclusivas estão surgindo lentamente. Locadoras de patinetes também entraram no mercado, embora sua viabilidade a longo prazo ainda seja incerta. Uma rede crescente de ciclovias sinaliza uma mudança cultural — modesta, mas tangível.

As próprias ruas revelam uma cidade em negociação com a modernidade. Em algumas áreas, a infraestrutura para pedestres é inexistente ou está em ruínas. Faixas de pedestres existem, mas raramente são respeitadas. As calçadas são irregulares, frequentemente obstruídas por carros estacionados ou barracas de vendedores. Mesmo assim, a cidade é notavelmente caminhável, especialmente em seu centro histórico. Atravessar a Ponte da Paz, uma impressionante passarela contemporânea sobre o rio Mtkvari, nos lembra que, mesmo em seu estado de transição, Tbilisi permanece profundamente enraizada em seu senso de lugar.

Mais do que um ponto em um mapa ou um posto avançado cultural, Tbilisi perdura como uma expressão complexa de sua geografia e história — um lugar onde o movimento, tanto literal quanto metafórico, tem tanto a ver com adaptação quanto com direção.

Cidade Velha, Bairros e Ritmos Cotidianos

O peso sensorial de Tbilisi se instala rapidamente. Não como uma imposição, mas como um envoltório silencioso — tijolos sob os pés, gesso descascando das fachadas, madeira úmida ondulando em sombras aquecidas pelo sol. Esta é uma cidade construída tanto de barro e memória quanto de concreto ou vidro. Na densa trama da Cidade Velha — Dzveli Tbilisi — o passado não é simplesmente preservado; é vivido, renovado em alguns trechos e, em alguns lugares, suavemente erodido pela passagem do tempo e do capital.

A Cidade Velha fica entre a Praça da Liberdade, o Rio Mtkvari e a cidadela que se ergue acima, a Fortaleza Narikala. Aqui, a geografia dobra as ruas em uma topografia intrincada de declives e declives. Nenhum plano diretor governa este distrito. Casas se erguem em encostas em arranjos ilógicos, e varandas — algumas de madeira, outras de metal, muitas precariamente em balanço — projetam-se para as ruas em ângulos erráticos. Varais de roupa se estendem pelos becos como uma arquitetura improvisada. Antenas parabólicas se projetam como flores teimosas em janelas emolduradas por cortinas de renda envelhecidas.

Apesar do seu charme desgrenhado, grande parte da Antiga Tbilisi permanece funcionalmente residencial. Entre galerias de arte, lojas de artesanato e restaurantes voltados para visitantes, famílias ainda habitam prédios onde as escadarias se inclinam e os pátios servem como cozinhas e salões coletivos. A estratigrafia histórica da região é palpável: camadas islâmicas, armênias, georgianas e soviéticas coexistem com uma graça inquietante. As mesquitas, igrejas e sinagogas não são relíquias — são locais de culto ativos, muitas vezes a apenas alguns quarteirões de distância, às vezes até compartilhando paredes.

O subdistrito de Sololaki, situado a sudoeste da Praça da Liberdade, é talvez o mais comovente arquitetonicamente. Mansões em estilo Art Nouveau, outrora lar de dinastias mercantes e da intelectualidade, encontram-se hoje em diversos estágios de renascimento ou declínio. Em ruas como Lado Asatiani ou Ivane Machabeli, encontram-se escadarias de madeira entalhada, frisos de estuque em decomposição e pátios repletos de hortênsias crescendo em bacias rachadas. É um bairro com uma grandiosidade invulgarmente tranquila, onde cada edifício parece acenar para uma era desaparecida de cosmopolitismo decadente.

Perto dali fica Betlemi, que leva o nome de sua igreja do século XVIII, lar de algumas das estruturas cristãs mais antigas da cidade. Caminhos de paralelepípedos ziguezagueiam para cima, revelando vistas panorâmicas da cidade e do rio abaixo. Ao anoitecer, a luz neste bairro muda com a precisão de um teatro. É possível avistar crianças correndo entre as escadas, cães ziguezagueando pelos portões do pátio e o tênue brilho azul das televisões filtrando pelos painéis de vidro cortados à mão.

A Rua Chardeni — agora estilizada como um enclave de vida noturna — é um contraste. Seus exteriores polidos e sinalização organizada sinalizam uma mudança em direção ao consumo com curadoria. O espírito boêmio outrora associado a esta parte da cidade perdura apenas no nome; os locais são mais caros, os cardápios traduzidos para quatro idiomas e o clima mais performático. Ainda assim, algumas esquinas permanecem rústicas, resistindo à atração da lógica dos investidores. Em outros lugares, ruas como Sioni e Shavteli ainda conseguem preservar uma espécie de arte espontânea: pintores vendendo telas, apresentações de marionetes improvisadas em frente à torre inclinada do relógio de Rezo Gabriadze e o murmúrio abafado de vizinhos fofocando ao lado de pequenas lojas de comida.

Cruzando o Rio Mtkvari pela Ponte Metekhi, os bairros mudam de caráter. Avlabari, na margem leste, abriga a Catedral de Sameba — a estrutura religiosa mais proeminente e polêmica de Tbilisi. Construída entre 1995 e 2004, a catedral se ergue sobre a paisagem urbana com uma afirmação quase imperial. Sua cúpula, coroada por uma cruz revestida de ouro, eleva-se 105,5 metros acima do topo da colina, tornando-a a terceira catedral ortodoxa oriental mais alta do mundo. O interior, ainda em construção artística, é um mosaico do antigo e do novo: afrescos tradicionais em andamento, altares em mosaico em andamento e um layout que se inspira no design eclesiástico medieval, mas se impõe com uma verticalidade moderna.

A própria Avlabari, que já abrigou uma vibrante população armênia, carrega consigo a tensão residual das mudanças demográficas. Sua vida nas ruas é menos enfeitada do que nas áreas turísticas da Cidade Velha, mas mais reveladora. Vendedores vendem frutas em porta-malas de carros; idosos fumam em silêncio em bancos lascados; mães puxam carrinhos de bebê por calçadas irregulares, parando ocasionalmente para conversar com os lojistas. Aqui, também, o sincretismo da cidade é visível. A Mesquita de Jumah fica não muito longe da sinagoga e da Catedral Armênia de São Jorge. A proximidade desses espaços sagrados demonstra não apenas uma pluralidade histórica, mas também a fragilidade da coexistência — um tema profundamente gravado na memória cultural da cidade.

Vake e Saburtalo, dois dos bairros mais modernos e ricos a oeste e norte, respectivamente, formam outra faceta do caráter de Tbilisi. Amplas avenidas, escolas internacionais e complexos de apartamentos recém-construídos sinalizam mobilidade ascendente. Em Vake, o ritmo desacelera. Cafés com interiores minimalistas e mesas ao ar livre ladeiam ruas como a Avenida Chavchavadze. O Parque Vake, um dos maiores espaços verdes da cidade, oferece um raro refúgio. Árvores altas suavizam a malha de caminhos, e famílias se reúnem perto de fontes enquanto jovens profissionais correm ao longo de suas bordas sombreadas. O bairro também abriga a Universidade Estadual de Tbilisi, fundada em 1918, uma instituição que há muito tempo serve como símbolo da vida intelectual georgiana.

Saburtalo, com um design mais utilitário, é definida por seus blocos de apartamentos da era soviética e sua crescente constelação de prédios de escritórios. Mas mesmo aqui, o passado se torna visível. Barracas de mercado se aglomeram perto das saídas do metrô, vendendo de tudo, de ferragens a ervas. Grafites em alfabeto georgiano e cirílico traçam as paredes, evidências de negociação cultural e coexistência linguística. Guindastes de construção se curvam sobre prédios antigos, com suas silhuetas ao mesmo tempo esperançosas e intrusivas.

Essas texturas cotidianas — calçadas rachadas pelo gelo e pelo barulho de passos, cabos de bonde balançando sem nenhuma função clara, vitrines transformadas em cafés ou lojas de ferragens — compõem uma cidade de beleza nada cerimoniosa. Não se vai a Tbilisi para se impressionar. Viemos para nos lembrar de que as cidades ainda podem ser feitas para se viver, mesmo quando desgastadas.

Os ritmos da vida cotidiana oscilam entre um pragmatismo lento e explosões inesperadas de intensidade. Os trajetos matinais são rápidos, as ruas fervilham com o som de portas de marshrutka batendo e colheres de metal mexendo café em xícaras de vidro. O meio-dia traz uma calmaria, especialmente no calor do verão, quando as janelas das lojas fecham e as conversas se prolongam. As noites ganham impulso novamente. Famílias caminham juntas, crianças em idade escolar entram e saem dos pátios e casais se encostam nas grades para observar o rio escurecer com o céu.

Observar Tbilisi de perto é aceitar suas contradições. É uma cidade de fachadas pálidas e luzes neon berrantes. De silêncio devocional dentro de capelas antigas e batidas techno pulsando em clubes underground. De poesia gravada em varandas de madeira e burocracias que permanecem indiferentes ao seu entorno. E, no entanto, de alguma forma, ela se mantém coerente. Não como um projeto estético ou um triunfo econômico, mas como um lugar vivido e vivo.

Tbilisi não se apresenta como uma cidade acabada. É uma cidade em ensaio, perpetuamente presa no ato de se tornar.

Pedra Sagrada e Sombra – Igrejas, Catedrais e a Arquitetura da Fé

A arquitetura religiosa de Tbilisi não é mero ornamento; é narrativa. Esculpidos em tufo, tijolo e basalto, os edifícios sagrados da cidade articulam séculos de entrelaçamento cultural, resistência teológica e inovação litúrgica. Eles não apenas testemunham a fé, mas também a evolução do senso de identidade da cidade — uma cartografia espiritual tão complexa quanto as fronteiras mutáveis ​​de Tbilisi.

No coração dessa liturgia arquitetônica está a Catedral de Sameba, a Santíssima Trindade. Erguendo-se no Monte Elia, em Avlabari, ela inspira reverência e ambivalência. Concluída em 2004, sua cruz dourada brilha visivelmente de praticamente qualquer ponto da cidade, uma declaração ousada em folha de ouro e calcário. Com mais de 105 metros de altura, não é apenas um local de culto, mas um espetáculo de afirmação — uma fusão de várias formas eclesiásticas medievais georgianas, adaptadas a um imaginário pós-soviético. Críticos frequentemente lamentam seu tamanho e sua pompa estética; outros veem nela uma poderosa restauração da confiança nacional. Suas nove capelas — algumas submersas — são talhadas em pedra, com interiores iluminados por murais que continuam sob a cuidadosa supervisão de artistas georgianos.

Estruturas mais antigas e silenciosas repousam em outras partes da cidade. A Basílica de Anchiskhati, datada do século VI, é a igreja mais antiga de Tbilisi. Situada ao norte do rio Mtkvari, perto da Rua Shavteli, a basílica preserva uma dignidade austera e sem adornos. A pedra de tufo amarelo envelheceu com elegância, e o interior, pequeno e sombreado, parece mais um espaço votivo privado do que uma grande casa de culto. Apesar de suas dimensões modestas, ela permanece ativa — um espaço para iluminação de velas e cânticos, intocado pelas demandas do turismo.

Mais acima na colina, a Catedral de Sioni mantém importância histórica e simbólica. Serviu como a principal catedral ortodoxa georgiana por séculos e abriga a venerada cruz de Santa Nino, que se acredita ter trazido o cristianismo para a Geórgia no século IV. Repetidamente destruída por invasores e reconstruída, sua forma atual guarda marcas arquitetônicas dos séculos XIII ao XIX. As pesadas paredes de pedra da catedral carregam o peso dessa história, e seu pátio costuma ser frequentado por peregrinos silenciosos, paroquianos idosos e crianças curiosas que traçam os dedos pelas esculturas nas paredes.

A Igreja de Metekhi, erguida sobre um penhasco com vista para o rio, ancora um cenário mais teatral. Sua posição — logo acima do palco de pedra da Ponte de Metekhi — a torna um dos marcos mais fotografados da cidade. Construída no século XIII sob o Rei Demetre II, foi danificada, reconstruída, reaproveitada e até usada como prisão durante o domínio russo. Seu design desafia a simetria: uma planta quadrada em forma de cruz abobadada, mas desproporcional. No interior, o ar permanece fresco e esfumaçado com incenso, e os serviços religiosos são realizados em uma cadência que parece inalterada pelos tempos modernos.

A diversidade eclesiástica de Tbilisi se estende muito além da tradição ortodoxa georgiana. A Catedral Armênia de São Jorge, situada no coração do antigo bairro armênio, perto da Praça Meydan, permanece como um lembrete pungente da profundidade histórica da comunidade. Construída em 1251 e ainda em funcionamento, abriga o túmulo de Sayat-Nova, o famoso bardo do século XVIII cujas canções cruzaram fronteiras linguísticas e culturais. Perto dali, a Igreja Norashen — fechada com tábuas e politicamente contestada — marca um legado muito mais fragmentado. Sua alvenaria de meados do século XV está marcada pelo abandono e pela disputa política. O bairro ao redor permanece repleto de questões não resolvidas sobre pertencimento e herança, questões inscritas em alvenaria em ruínas.

No flanco leste da Cidade Velha, ergue-se a Mesquita Juma, uma rara representação arquitetônica de uma prática religiosa compartilhada. Ela atende muçulmanos sunitas e xiitas — um arranjo incomum até mesmo globalmente. A modesta estrutura de tijolos, reconstruída no século XIX, abre-se para um caminho íngreme que leva ao Jardim Botânico. Como grande parte da vida espiritual de Tbilisi, a mesquita existe em um desafio silencioso à homogeneidade, com seu minarete visível, mas discreto.

A Grande Sinagoga na Rua Kote Abkhazi, concluída em 1910, acrescenta mais uma camada ao mosaico religioso. É um local de culto em funcionamento para a comunidade judaica de Tbilisi, em declínio, mas duradoura, muitos dos quais têm raízes na Geórgia há mais de 2.000 anos. Os bancos de madeira escura e o piso polido da sinagoga demonstram continuidade. Embora a população judaica da cidade tenha diminuído drasticamente, o edifício permanece ativo e, durante os principais feriados, enche-se de famílias, estudantes e idosos cantando liturgias antigas em hebraico com influências georgianas.

Não muito longe da Praça da Liberdade, fica a Igreja Católica da Ascensão da Virgem Maria, um edifício pseudogótico decorado com vitrais e discretos toques barrocos. Construída no século XIII e alterada inúmeras vezes desde então, ela reflete tanto a ambição arquitetônica quanto o alcance histórico da Igreja Católica Romana no Cáucaso. Sua torre, embora modesta para os padrões ocidentais, projeta uma silhueta marcante contra o horizonte mais suave de cúpulas e telhados de telhas.

Por toda a cidade, capelas e santuários menores, muitas vezes sem nome, salpicam os bairros residenciais. Frequentemente, estão anexados a casas de família ou aninhados nas paredes de edifícios mais antigos. Não são listados em guias turísticos nem têm destaque em glossários culturais. No entanto, permanecem cruciais para a topografia religiosa vivida da cidade. Pode-se passar por um espaço assim todos os dias e só notá-lo no dia em que uma vela queima em seu interior.

O panteão de edifícios religiosos de Tbilisi revela mais do que piedade — revela a persistência do pluralismo. Ao longo de séculos de império, conflito e reforma, a cidade abrigou uma multiplicidade de crenças, muitas vezes em estreita proximidade, às vezes em atrito, mas raramente apagadas. A variedade arquitetônica não é ornamental; é estrutural. Ela reflete a especificidade granular da crença entre comunidades, dinastias e diásporas. Cada cúpula, minarete e campanário delineia um ritmo diferente de tempo sagrado, e cada capela do pátio sussurra sua própria versão de graça.

Caminhar entre esses edifícios é ler um texto não escrito em palavras, mas em pedra e ritual. A arquitetura sagrada de Tbilisi perdura não apenas como um conjunto de monumentos, mas como um conjunto de lugares vivos — ainda pulsantes, ainda contestados, ainda em uso.

Terra, Água, Calor — Banhos de Enxofre e a Memória Física do Lugar

As fundações de Tbilisi foram lançadas não apenas por vontade política ou necessidade geográfica, mas pela atração das águas geotérmicas. A própria história da origem da cidade — a queda do faisão em uma fonte fumegante, contada pelo Rei Vakhtang — conecta a geografia física de Tbilisi à sua vida metafísica. Essa confluência de terra e calor ainda fervilha, literalmente, sob os bairros mais antigos da cidade.

Os banhos de enxofre de Abanotubani, aninhados perto do rio, no lado sul da Ponte Metekhi, permanecem centrais para a identidade da cidade. O próprio nome do distrito — derivado de abano, que significa "banho" em georgiano — revela suas origens hidrotermais. Cúpulas de tijolos bege erguem-se logo acima do nível da rua, com formato inconfundível: arredondadas, baixas e porosas devido ao tempo. Abaixo delas, o aroma de minerais e pedras permeia o ambiente, carregado por um vapor que nunca se dissipa completamente.

Durante séculos, esses banhos serviram tanto como ritual de purificação quanto como espaço social. Eram frequentados por reis e poetas, comerciantes e viajantes. Foram mencionados em manuscritos persas e memórias russas. Alexandre Dumas descreveu sua visita no século XIX com partes iguais de fascínio e alarme. Aqui, o ato de banhar-se torna-se uma cerimônia comunitária — uma negociação entre privacidade e exposição, temperatura e textura.

A água, naturalmente aquecida e rica em sulfeto de hidrogênio, flui para salas azulejadas onde os clientes se sentam, mergulham e se esfregam. A maioria dos banhos funciona com uma estrutura semelhante: salas privativas para alugar, cada uma equipada com uma bacia de pedra, uma plataforma de mármore e um pequeno vestiário. Alguns oferecem massagens, mais precisamente descritas como esfoliações rigorosas, administradas com a eficiência ágil de antigos rituais. Outros mantêm áreas públicas onde estranhos compartilham uma piscina fumegante em silêncio ou em conversas casuais, com os limites suavizados pelo vapor e pelo tempo.

As características dos banhos variam bastante. Alguns são refinados, atendendo àqueles que buscam uma atmosfera de spa; outros permanecem desgastados e elementares, inalterados em sua essência há gerações. O Banho nº 5 é o último dos verdadeiramente públicos — acessível, austero e bastante utilizado. Sua seção masculina mantém um ritmo utilitário: entra-se, lava-se, mergulha-se e sai-se sem pretensão. A seção feminina, com instalações mais limitadas, ainda atende seus frequentadores — embora seu declínio seja apontado por alguns como indicativo de uma negligência mais ampla em termos de gênero na infraestrutura pública.

Os Banhos Reais, adjacentes ao pub, oferecem uma experiência que se situa entre o luxo e o patrimônio histórico. Os tetos abobadados foram restaurados, os mosaicos foram rejuntados e os cardápios multilíngues são apresentados na entrada. Os preços refletem esse refinamento. E enquanto muitos visitantes saem satisfeitos, outros relatam inconsistências — sobretaxas inesperadas, sistemas de preços duplos ou serviço imprevisível. Essa imprevisibilidade, no entanto, faz parte do caráter da cidade. Nada é totalmente fixo em Tbilisi, especialmente sob a superfície.

Ao norte do bairro de Abanotubani, passando por um emaranhado de degraus íngremes e fachadas desgastadas pelo tempo, outras casas de banho menores persistem em relativa obscuridade. Bagni Zolfo, escondido atrás da estação de metrô Marjanishvili, é um desses lugares. Menos organizado, mais frequentado por moradores locais, carrega uma atmosfera diferente — silenciosamente anacrônica e, às vezes, bruscamente utilitária. No andar de cima, uma sauna popular entre homens mais velhos também funciona como um clube social discreto. Há também uma clientela gay conhecida, especialmente à noite, embora a discrição continue sendo a regra tácita.

Esses banhos de enxofre desempenham funções que vão além da higiene ou do prazer. São locais de continuidade incorporada, expressões físicas da herança geotérmica da cidade. Os minerais na água, o ranger da pedra, o calor intenso do ambiente — essas sensações fazem parte da infraestrutura sensorial da cidade, tão válidas e duradouras quanto pontes ou monumentos.

E, no entanto, a própria terra que fornece essas fontes também sofre pressão. O solo sob Tbilisi é sismicamente ativo, ocasionalmente se movendo em protesto silencioso. Os edifícios precisam se adaptar a essa instabilidade. Canos vazam. Paredes incham. Mas os banhos persistem, alimentados por aquíferos profundos que não mudaram sua função desde antes de a cidade ter ruas.

O ritual do banho é lento. Resiste à digitalização. Os telefones embaçam e falham. O corpo humano retorna a si mesmo, as dores suavizando no calor mineral. A pele é esfregada, em carne viva, e renovada. Os músculos relaxam. A conversa, quando ocorre, é escassa. Frequentemente, é em russo ou georgiano, ocasionalmente sussurrada sobre azulejos escorregadios de vapor. Há momentos de riso, é claro, e às vezes momentos de reflexão silenciosa. Um homem sentado sozinho em uma bacia, com a água batendo suavemente sobre seus joelhos, pode estar contemplando algo tão mundano quanto tarefas ou tão profundo quanto a dor. Os banhos permitem ambas as coisas.

Numa cidade em constante mudança, os banhos de enxofre oferecem uma das poucas constantes. Seu apelo não é a novidade, mas a continuidade. São lembretes de uma verdade elementar: sob as superfícies que construímos, a terra continua a aquecer e fluir, inalterada em sua generosidade ancestral.

Para os visitantes, uma visita aos banhos pode ser desorientadora — íntima, física e sem etiqueta clara. É preciso navegar não apenas pelos cômodos, mas também pelas regras tácitas: quando falar, como se esfregar, quanto dar de gorjeta. Mas para os moradores, especialmente as gerações mais velhas, esses banhos são menos um destino do que um ritmo. Eles vêm semanalmente, ou mensalmente, ou apenas quando algo dói. Eles conhecem as piscinas preferidas, os atendentes mais honestos, a temperatura que acalma em vez de chocar.

Mergulhar nas termas de Tbilisi é vivenciar a cidade não pela arquitetura, culinária ou história, mas pela pele. É ser aquecido pelas mesmas águas que levaram um rei a construir sua capital — e que ainda, silenciosamente, definem sua alma.

Fortaleza de Narikala, Jardins Botânicos e a Geografia da Perspectiva

De praticamente qualquer ponto do centro de Tbilisi, os olhares são inevitavelmente atraídos para cima, para os restos da Fortaleza de Narikala. Sua silhueta angular corta o céu, empoleirada no topo de uma escarpa íngreme que vigia a cidade velha e o lento rio Mtkvari abaixo. A fortaleza não está imaculada — suas muralhas estão desmoronando em alguns pontos, sua torre de menagem parcialmente destruída —, mas permanece firme, uma geometria irregular gravada contra o horizonte.

Narikala é mais antiga que a própria Tbilisi em sua forma atual. Fundada no século IV pelos persas e posteriormente expandida pelos emires árabes, a fortaleza foi modificada, bombardeada e reconstituída inúmeras vezes. Passou pelas mãos da realeza mongol, bizantina e georgiana. Os mongóis a chamaram de Narin Qala — "Pequena Fortaleza" —, nome que perdurou mesmo com o colapso de impérios e a reforma de fronteiras. Apesar desse título diminuto, a fortaleza se destaca na arquitetura espacial e simbólica da cidade. De suas muralhas, vê-se a expansão de Tbilisi não em mapas, mas na suave subida e descida dos telhados, no brilho das torres de vidro perto de Rustaveli e no lento piscar das luzes domésticas nos distantes blocos de apartamentos de Saburtalo.

A subida até Narikala é íngreme. Pode-se chegar a pé, por escadas estreitas que começam em Betlemi ou Abanotubani, serpenteando por muros baixos, flores silvestres e, ocasionalmente, um cachorro vira-lata. Como alternativa, o teleférico do Parque Rike — deslizando silenciosamente sobre o rio — leva os passageiros à extremidade superior da fortaleza em menos de dois minutos. A subida em si se torna uma espécie de ritual, uma reorientação. Cada passo leva a cidade mais para baixo, transformando seu ruído em murmúrio, sua densidade em padrão.

Desde maio de 2024, o local está temporariamente fechado à visitação devido à instabilidade estrutural. Mas o fechamento, embora lamentável, não deixa de ter sua poesia. Mesmo inacessível, a fortaleza mantém seu charme. Não é apenas uma atração turística — é um limiar entre o passado e o presente, entre a história construída e o tempo geológico.

Adjacente à face leste de Narikala encontra-se uma das extensões menos conhecidas de Tbilisi: o Jardim Botânico Nacional. Espalhado por um vale estreito e arborizado, o jardim desce das muralhas da fortaleza e acompanha o sinuoso riacho Tsavkisis-Tskali por mais de um quilômetro. Fundado em 1845, ele antecede muitas das instituições culturais da cidade e reflete um tipo diferente de ambição — não de domínio, mas de curadoria.

O layout do jardim é irregular e, por vezes, descuidado. Caminhos desaparecem em meio a matagais, a sinalização é esporádica e a manutenção pode ser errática. Mas sua irregularidade é precisamente o que lhe confere intimidade. Não é um parque bem cuidado, mas um arquivo vivo de vida vegetal — espécies mediterrâneas, caucasianas e subtropicais prosperando em justaposição. A encosta sul recebe luz forte e abriga arbustos resistentes; as cristas ao norte são sombreadas e úmidas, lar de musgos e samambaias. Uma cachoeira, modesta, mas persistente, pontua a paisagem com som.

Há seções formais: um canteiro perto da entrada do jardim, pequenas estufas e uma tirolesa para os mais aventureiros. Mas os melhores momentos são acidentais. Um banco parcialmente soterrado pela queda de folhas. Uma criança soltando um barquinho de papel no riacho. Um casal descendo por um caminho escorregadio com um guarda-sol compartilhado. O jardim não impõe uma narrativa; oferece um terreno de desenvolvimento lento.

Mais acima na serra ocidental, passando pelas copas das árvores e logo abaixo da estátua da Mãe Geórgia, surge outro eixo de perspectiva. O monumento Kartlis Deda — 20 metros de alumínio prateado em traje nacional — permanece vigilante, ao mesmo tempo marcial e maternal. Ela segura uma espada em uma mão e uma taça de vinho na outra: hospitalidade para os amigos, resistência para os inimigos. Instalada em 1958 para comemorar o 1.500º aniversário da cidade, a figura tornou-se emblemática da postura de Tbilisi — acolhedora, mas não ingênua.

Abaixo dela, o jardim botânico se espalha em uma cascata suave de árvores e vegetação rasteira. Acima, a linha de cume se aplana nas colinas de Sololaki, de onde se avista todo o arco da cidade: o sinuoso Mtkvari, a desordem barroca da Velha Tbilisi, a monotonia quadriculada de Saburtalo e as altas e nebulosas serras mais além. É daqui que toda a contradição de Tbilisi se torna legível — não como confusão, mas como polifonia. A fortaleza, o jardim, a estátua — formam uma tríade de narrativas contadas em pedra, folha e metal.

A relação entre cidade e elevação não é meramente estética. É mnemônica. Dessas alturas, lembramo-nos da cidade como camadas. O rio esculpe a camada de base. Acima dela, bairros emergem como estratos: vilas mercantis do século XIX, blocos soviéticos, coberturas de vidro, todos comprimidos em elevações irregulares. É uma cidade que não esconde seu crescimento, mas o deixa transparecer em relevo.

Retornar de Narikala ou do jardim botânico para os bairros mais baixos é uma descida não apenas em altitude, mas também em ritmo. O barulho retorna lentamente – o zumbido do trânsito, o latido dos cães, o tilintar dos pratos dos restaurantes no terraço. O ar fica mais pesado, mais perfumado com fumaça de escapamento e especiarias. Mas a elevação permanece, não como altitude, mas como lembrança. Leva-se a vista para dentro, uma cartografia mental impressa não pelo GPS, mas pelo formato das cristas e pelo ângulo da luz do entardecer.

Esses espaços elevados — sem regulamentação, parcialmente selvagens, moldados pela história e pela inclinação — oferecem o que poucas cidades ainda oferecem: perspectiva sem mediação. Sem fila para ingressos, sem narração por fone de ouvido, sem corda de veludo. Apenas terra, pedra e céu. E a cidade, disposta abaixo como um texto vivo.

Herança e Ausência: Museus, Memória e a Arquitetura da Perda

Em Tbilisi, a memória não é um exercício abstrato. Ela é material — espalhada por porões e vitrines, afixada em placas desgastadas pelo tempo, guardada em salas silenciosas. Os museus da cidade não clamam por atenção. Muitos estão abrigados em antigas mansões ou edifícios institucionais cuja calma exterior desmente a profundidade de seus acervos. Sua função não é simplesmente exibir, mas persistir: contra o apagamento, contra a amnésia, contra o lento desgaste do ruído histórico.

O sistema do Museu Nacional da Geórgia serve como o principal guardião dessa persistência. Ele abrange múltiplas instituições, cada uma focada em um período, forma de arte ou fio narrativo distinto. O Museu Simon Janashia da Geórgia, localizado na Avenida Rustaveli, é talvez o mais enciclopédico. Suas exposições permanentes traçam um vasto arco — desde os fósseis pré-históricos de Homo ergaster descobertos em Dmanisi até ícones medievais e trabalhos de ourivesaria que antecedem as primeiras moedas europeias. Isso não é uma grandeza acidental. O passado metalúrgico da Geórgia, especialmente sua ourivesaria primitiva, provavelmente sustenta o antigo mito do Velocino de Ouro. Os crânios de Dmanisi, por sua vez, recalibram nossa compreensão da migração humana, posicionando o Cáucaso Meridional não como uma periferia, mas como um ponto de origem.

Cada andar do museu carrega seu próprio registro emocional. A coleção numismática, composta por mais de 80.000 moedas, desdobra-se como uma lenta meditação sobre valor e império. O lapidário medieval é tátil — lajes de pedra esculpidas com inscrições urartianas e georgianas, cujos significados às vezes são conhecidos, às vezes perdidos. E há também o Museu da Ocupação Soviética, instalado no andar superior. Austero e sem remorso, ele narra o século de subjugação da Geórgia sob o domínio czarista e soviético. Fotografias de poetas desaparecidos. Ordens de exílio. Fragmentos de equipamentos de vigilância. Um livro-razão vermelho com listas de nomes e datas. É uma sala carregada de silêncio.

Em outros lugares, a memória é preservada com pinceladas mais silenciosas. O Museu de História de Tbilisi, localizado em um antigo caravançarai na Rua Sioni, centraliza a cidade em si. Sua escala é modesta — percorremos salas que mais parecem interiores residenciais do que galerias —, mas sua intenção é precisa. Artefatos do cotidiano, mapas, tecidos e fotografias constroem um retrato granular da vida urbana. Do lado de fora, a fachada do edifício é marcada por arcos e alvenaria em estilo otomano, sinalizando seu passado comercial como abrigo para comerciantes ao longo da Rota da Seda. No interior, a cidade é retratada não como abstração, mas como proximidade: potes, ferramentas e roupas outrora manuseados por aqueles que viviam nas mesmas ruas agora sob os pés.

O Museu de Etnografia ao Ar Livre, situado perto do Lago Turtle, nos arredores montanhosos de Vake, oferece outro tipo de arquivo. Espalhado por uma encosta arborizada, reúne setenta estruturas transplantadas de várias regiões georgianas — casas, torres, lagares e celeiros. Não se trata de uma vila em miniatura, mas de um mapa de memória disperso, uma antologia espacial da arquitetura vernacular. Alguns edifícios inclinam-se em ângulos estranhos. Outros estão em ruínas. Mas muitos são cuidados, com docentes que explicam, em linguagem prática, a importância dos telhados de palha, das varandas esculpidas e das torres de vigia defensivas. A ausência de polimento realça a autenticidade. Não se trata de uma reprodução estilizada, mas de um conjunto de vestígios genuínos, costurados pela geografia e pelo esforço.

A arte também encontra seu lugar nesse terreno mnemônico. A Galeria Nacional, na Avenida Rustaveli, abriga uma extensa coleção de pinturas georgianas dos séculos XIX e XX, incluindo obras de Niko Pirosmani. Suas perspectivas planas e figuras melancólicas — garçons, animais, cenas de circo — são menos ingênuas do que elementares. Pirosmani pintava com economia, muitas vezes em papelão, e suas imagens carregam a quietude da memória popular. Elas permanecem apreciadas não por sua técnica, mas por evocarem um mundo meio imaginado, meio lembrado.

Outras casas-museu celebram a vida de artistas e intelectuais específicos. O Museu Galaktion Tabidze homenageia o atormentado poeta do movimento simbolista georgiano, uma figura cuja maestria lírica só era igualada por sua ascendência psicológica. Da mesma forma, os museus Elene Akhvlediani e Ucha Japaridze preservam os espaços domésticos e a obra de dois importantes pintores georgianos. Esses lugares transmitem uma sensação de intimidade. Não são projetados para grandes multidões. Os visitantes frequentemente vagam sozinhos, passando dos alojamentos para os estúdios, parando para examinar esboços casualmente fixados nas paredes. O tempo parece suspenso.

Talvez o mais comovente desses espaços seja a Casa do Escritor da Geórgia, uma grande mansão no bairro de Sololaki, construída pelo filantropo David Sarajishvili no início do século XX. Sua arquitetura é uma síntese de Art Nouveau e neobarroco, com um jardim revestido de cerâmica Villeroy & Boch e uma grande escadaria que range a cada degrau. Mas a elegância do edifício é temperada por sua história mais sombria. Em julho de 1937, durante os expurgos de Stalin, o poeta Paolo Iashvili se suicidou com um tiro em um de seus salões — um ato de desafio e desespero após ser forçado a denunciar colegas escritores. A casa agora abriga um pequeno museu dedicado a escritores georgianos reprimidos, completo com fotografias, cartas e primeiras edições. O acervo não é exaustivo. Não poderia ser. Mas sua existência é uma forma de recusa — contra o silêncio, contra a obliteração.

Essas instituições — museus de etnografia, belas artes, poesia e história — fazem mais do que exibir. Elas testemunham. Ocupam um difícil meio-termo entre comemoração e continuidade, apresentando a Geórgia não como uma identidade fixa, mas como uma série de contextos acumulados: antigo, imperial, soviético, pós-soviético. Elas também personificam uma contradição: o impulso de preservar é frequentemente mais forte em lugares onde a ruptura tem sido frequente.

Os museus de Tbilisi raramente parecem coreografados. A iluminação é inconsistente. As descrições às vezes param no meio da frase. O controle da temperatura é uma aspiração. Mas essas imperfeições não obscurecem o valor do que está exposto. Pelo contrário, realçam o esforço. Em uma região marcada pela volatilidade política e restrições econômicas, o ato de manter um museu é, em si, uma posição cultural.

Visitantes acostumados a instituições elegantes podem achar a experiência desconexa. Mas aqueles que se envolvem com cuidado se verão atraídos para um ritmo diferente — um ritmo em que o patrimônio não é representado, mas habitado, onde o objeto é menos importante do que sua sobrevivência e onde a história é menos uma exposição do que uma condição do ser.

Em Tbilisi, a arquitetura da memória é também a arquitetura da perda. Mas não é elegíaca. É ativa, contingente, contínua.

Como se locomover em Tbilisi de metrô, Marshrutka e a pé

O movimento em Tbilisi é um ato de adaptação, não apenas de direção, mas também de temperamento. A cidade não se desenvolve em linhas retas ou ritmos pontuais. Aqui, não se "desloca" no sentido padronizado, mas sim se negocia — com tempo, espaço, clima e a elasticidade incalculável da infraestrutura. O trânsito em Tbilisi é improvisado, semiprevisível e profundamente dependente dos códigos suaves do conhecimento local.

Em seu cerne está o Metrô de Tbilisi, um sistema de duas linhas inaugurado em 1966, típico do planejamento da era soviética: profundo, durável e simbólico. A arquitetura de muitas estações ecoa a clareza ideológica da época — amplos corredores de mármore, lustres, emblemas do Estado —, mas hoje essa estética se sobrepõe a realidades mais cotidianas: letreiros de LED, sistemas de pagamento sem contato e o fluxo e refluxo de estudantes, vendedores e trabalhadores noturnos. Os trens circulam das 6h da manhã à meia-noite, embora, na prática, as partidas finais possam ocorrer já às 23h, dependendo da estação.

O sistema de metrô, embora com cobertura limitada, continua sendo o meio mais eficiente de atravessar a expansão urbana. As linhas vermelha e verde se cruzam na Praça da Estação — Sadguris Moedani —, que também serve como terminal central de trens e um mercado subterrâneo superlotado. A maioria das placas é bilíngue em georgiano e inglês, mas a pronúncia, principalmente para quem não conhece o alfabeto georgiano, continua sendo um desafio. Os moradores locais, especialmente a geração mais velha, falam georgiano e russo; o inglês é mais comum entre os passageiros mais jovens. Mapas costumam faltar dentro dos vagões, portanto, uma cópia impressa ou um aplicativo para celular é recomendado. Os vagões em si variam — alguns têm portas USB, outros ainda vibram com as ferragens originais.

Fora do metrô, os ônibus funcionam como artérias de superfície da cidade. São mais novos que os trens, pintados em verde e azul vibrantes e cada vez mais digitalizados. As paradas são marcadas por placas eletrônicas que exibem as próximas chegadas em georgiano e inglês. No entanto, o sistema está longe de ser isento de atritos. As rotas são longas e sinuosas. Muitas placas nas janelas dos ônibus permanecem apenas em georgiano, e nem todos os motoristas param sem sinal. A entrada é permitida por qualquer porta, e os passageiros utilizam seu cartão Metromoney — adquirido por uma taxa modesta em qualquer estação de metrô — para validar a viagem. A tarifa é de um lari, com baldeações gratuitas em até noventa minutos, independentemente do tipo de veículo.

No entanto, a forma mais peculiar de transporte público é a marshrutka, ou micro-ônibus. Essas vans convertidas atendem tanto rotas intramunicipais quanto regionais. Seus sistemas de numeração diferem das rotas oficiais de ônibus, e as informações exibidas em seus para-brisas costumam ser vagas demais para serem úteis sem conhecimento contextual. "Vake", por exemplo, pode indicar uma direção geral em vez de uma rua específica. Os passageiros sinalizam para as marshrutkas quando desejam parar — geralmente com um grito de "gaacheret" — e entregam dinheiro ao motorista, às vezes passado para outros passageiros. A cultura das marshrutkas é de economia e consentimento tácito: pouca conversa, pouco conforto, mas um acordo tácito de que o sistema funciona, por pouco.

As limitações das marshrutkas são muitas — superlotação, falta de circulação de ar e manutenção irregular —, mas elas continuam indispensáveis, principalmente em áreas mal atendidas pelo metrô. Para moradores de bairros periféricos ou assentamentos informais, as marshrutkas oferecem a única conexão confiável com o centro econômico da cidade. Elas são, na verdade, as veias da vida periférica.

Os táxis, antes informais e sem taxímetro, tornaram-se mais regulamentados com o surgimento de aplicativos de transporte por aplicativo como Bolt, Yandex.Taxi e Maxim. Esses serviços são baratos para os padrões internacionais, geralmente custando menos de 1 lari por quilômetro, e são especialmente práticos para viagens em grupo ou quando o transporte público para durante a noite. No entanto, mesmo com esses aplicativos, os hábitos locais persistem. Os motoristas podem parar para pedir informações a pedestres ou mudar de rota sem aviso prévio para evitar congestionamentos, buracos ou fechamentos informais de vias. O GPS é usado com flexibilidade. A negociação ainda é uma habilidade que vale a pena manter.

Caminhar continua sendo talvez a maneira mais íntima, embora menos previsível, de vivenciar Tbilisi. A cidade não é uniformemente amigável aos pedestres. As calçadas são irregulares ou inexistentes em muitas áreas, frequentemente obstruídas por carros estacionados, móveis de cafés ou entulho de construção. Existem faixas de pedestres, mas a fiscalização do direito de passagem é inconsistente; muitos motoristas as tratam como sugestões. No entanto, caminhar oferece o que nenhum outro meio de transporte pode oferecer: a experiência direta da vida texturizada da cidade. Navega-se pela topografia dos sentidos — pedras sob os pés, fumaça de tabaco no ar, o tagarelar das mesas de café, o cheiro de coentro, diesel e roupa lavada.

Certos bairros — Sololaki, Mtatsminda, Tbilisi Antiga — revelam suas complexidades melhor a pé. Seus becos estreitos e escadarias íngremes são inacessíveis a veículos e despercebidos por ônibus. Caminhar aqui não é apenas transporte, mas encontro: com arquitetura improvisada, com cães de rua tomando sol no concreto quente, com um vizinho compartilhando nozes de um balde empoleirado no parapeito da janela.

O ciclismo, antes quase inexistente, está ganhando força lentamente. Ciclovias dedicadas surgiram em áreas como Vake e Saburtalo. Uma empresa local de mobilidade, a Qari, oferece aluguel de bicicletas por aplicativo, embora a interface do usuário e os sistemas de pagamento favoreçam os moradores em vez de visitantes de curta duração. Um mapa de ciclismo seguro liderado pela comunidade tenta marcar as rotas mais viáveis ​​da cidade, mas as condições continuam longe das ideais. Os motoristas não estão acostumados a compartilhar faixas, e as superfícies das estradas podem ser imprevisíveis. No entanto, o ciclismo oferece agilidade incomparável nos horários de pico e é cada vez mais adotado por estudantes, ambientalistas e alguns poucos passageiros determinados.

Empresas de aluguel de patinetes — entre elas, Bolt, Bird e Qari — proliferaram nos últimos anos. Sua presença é mais visível em áreas centrais, onde grupos de patinetes se reúnem perto de pontos turísticos ou áreas de lazer noturno. Assim como acontece com o ciclismo, seu uso permanece limitado por deficiências de infraestrutura e pela cultura local de direção. Há também ambiguidades legais: o uso de capacete é raro, as zonas de pedestres são respeitadas de forma inconsistente e a cobertura do seguro é incerta. Ainda assim, para curtas distâncias e com clima favorável, os patinetes oferecem uma solução de mobilidade rápida, embora frágil.

Carros, embora onipresentes, costumam ser a forma menos eficiente de se locomover no centro da cidade. O estacionamento é escasso e caótico. Manobristas informais, vestidos com coletes refletivos, surgem do nada para guiar os motoristas até vagas perigosamente apertadas em troca de uma pequena gorjeta. As regulamentações são pouco aplicadas e estacionar em fila dupla é comum. Para quem não conhece o terreno, erros de direção por GPS não são incomuns, especialmente nos bairros montanhosos e sinuosos, onde as ruas se estreitam em escadas.

No entanto, a mobilidade em Tbilisi tem menos a ver com velocidade do que com resiliência. A cidade não prioriza a eficiência. Não garante pontualidade. Exige paciência, adaptabilidade e capacidade para o inesperado. As rotas são flexíveis. Os horários são aproximados. Mas, por trás dessa irregularidade, existe uma constância mais profunda: o movimento continua, independentemente dos obstáculos. As pessoas encontram um caminho.

Tbilisi ensina seus visitantes não como ir de um lugar a outro, mas como estar no caminho — a observar, a esperar, a se adaptar. É uma cidade que resiste à automação. Cada jornada é um ensaio de negociação humana.

Mercados e Monumentos: Onde o Comércio Encontra a Memória

O núcleo econômico de Tbilisi não é definido por arranha-céus ou centros comerciais com fachadas de vidro, mas por lugares onde transações e memórias se cruzam: seus mercados, seus monumentos antigos, suas ruas onde o comércio ainda acontece ao ar livre. Esses espaços refletem o ritmo particular da cidade — nem frenético nem estático, mas persistentemente ativo, evoluindo em um ritmo determinado mais pela lógica social do que pela econômica.

No centro dessa dinâmica está o Dezerter Bazaar, um complexo amplo e caótico adjacente à Praça da Estação. Nomeado em homenagem aos desertores do exército russo do século XIX que vendiam seus equipamentos ali, o mercado hoje vende de tudo: produtos agrícolas, especiarias, laticínios, carnes, ferramentas, roupas, eletrônicos falsificados, baldes e DVDs piratas. Não há uma entrada coerente. Chega-se por instinto ou por fluxo, descendo por uma rede de toldos e barracas, passagens e sombras.

Em Dezerter, língua, aroma e textura colidem. Vendedores gritam em georgiano, russo, azeri e armênio. Pirâmides de tomates brilham ao lado de barris de jonjoli em conserva. Em um corredor, coentro e estragão são amontoados aos montes; em outro, pedaços de carne crua pendem atrás de lonas plásticas. O chão é irregular. O ar, principalmente no verão, fica mais denso com o calor e a fermentação. Os preços são negociáveis, mas o ritual importa mais do que o desconto. Um aceno, uma amostra, um comentário compartilhado sobre o clima ou política: o comércio aqui é coreografia social.

Do lado de fora do salão principal, mercados menores se espalham pelas ruas ao redor. Vendedores informais enfileiram-se na calçada com caixotes de plástico e panos, oferecendo frutas vermelhas em copos plásticos, vinho caseiro em garrafas de refrigerante reutilizadas ou meias empilhadas por cor e tamanho. Mulheres idosas vendem ervas de seus jardins. Homens vendem celulares usados ​​em barracas improvisadas feitas de caixotes e papelão. Não há zoneamento, nem distinção entre comércio legal e informal. Tudo é provisório, mas inteiramente familiar.

Outros mercados têm seus próprios registros. O Mercado da Ponte Seca, situado ao longo do rio Mtkvari, perto da Avenida Rustaveli, é há muito tempo o centro de antiguidades informais de Tbilisi. Originalmente um mercado de pulgas da era soviética, agora combina nostalgia, utilidade e procedência duvidosa. Nos fins de semana, os vendedores expõem seus produtos em cobertores ou mesas frágeis: câmeras antigas, medalhas soviéticas, estatuetas de porcelana, miniaturas persas, gramofones, facas, ícones pintados à mão e livros espalhados em cirílico. Alguns itens são heranças de família. Outros, resquícios do kitsch soviético produzidos em massa. Poucos são rotulados; a maioria é vendida com narrativas ensaiadas que podem ou não corresponder à realidade.

O mercado é tanto um museu de memórias privadas quanto um local de comércio. Os visitantes nem sempre compram. Eles passeiam, inspecionam, perguntam. Objetos passam por múltiplos significados antes de mudarem de mãos. Uma colher de prata pode ter pertencido a uma avó, ou a ninguém. Uma pilha de cartões-postais da década de 1970 pode ser tudo o que resta de um resort à beira-mar desaparecido. Pechinchas são esperadas, mas não agressivas. Os vendedores, muitos deles homens mais velhos, falam várias línguas — georgiano, russo, um pouco de alemão ou inglês. Suas histórias fazem parte do preço.

Não muito longe dali, o Tbilisi Mall e o complexo East Point — reluzentes centros comerciais na periferia da cidade — oferecem um modelo de comércio contrastante. Climatizados, com marcas próprias e layout algorítmico, atendem a uma classe média em crescimento. Esses shoppings contam com franquias internacionais, cinemas multiplex e estacionamentos do tamanho de pequenas vilas. Sua arquitetura é pós-funcional, intercambiável com a de Varsóvia, Dubai ou Belgrado. Para alguns georgianos, esses espaços representam conveniência e modernidade; para outros, são estéreis, distantes da intimidade social do comércio local. Eles ainda não definem a alma de Tbilisi, mas marcam as aspirações mutáveis ​​da cidade.

Entre esses polos — bazar e shopping — estão as pequenas lojas de bairro de Tbilisi: sakhli e magazia, lojas de rua que ancoram a vida local. Elas vendem pão, cigarros, fósforos, refrigerantes, óleo de girassol e bilhetes de loteria. Muitas funcionam com pouca sinalização, dependendo da familiaridade da comunidade. Crianças são enviadas para comprar vinagre ou sal. Aposentados se demoram em fofocas. Os preços nem sempre são competitivos, mas a presença humana não tem preço.

O comércio em Tbilisi, seja ele antigo ou improvisado, raramente se separa do emocional. Comprar comida nunca é apenas aquisição. É diálogo. Um vendedor de mercado perguntará de onde você é, comentará sua pronúncia, oferecerá uma fatia de maçã ou um punhado de feijão para você experimentar. Um passo em falso – tocar em uma fruta sem permissão, tentar negociar cedo demais – pode lhe render uma sobrancelha levantada, mas quase sempre uma correção em vez de uma repreensão. Há etiqueta, mesmo no caos.

E além dos mercados, monumentos pontuam a economia da memória da cidade. A Crônica da Geórgia, erguida em uma colina perto do Mar de Tbilisi, é uma das obras públicas menos visitadas, porém mais monumentais, da cidade. Projetada por Zurab Tsereteli e iniciada na década de 1980, permanece inacabada, mas impressionante. Colunas gigantes de basalto — cada uma com vinte metros de altura — são esculpidas com cenas da história georgiana e narrativas bíblicas. O local está frequentemente vazio, exceto por algumas festas de casamento ou fotógrafos solitários. Sua escala ofusca o observador. Seu simbolismo busca a síntese: estado e escritura, reis e crucificações.

Mais perto do centro da cidade, monumentos aos traumas e triunfos do século XX pontilham a paisagem. O memorial à Tragédia de 9 de abril, onde manifestantes pacíficos pró-independência foram mortos pelas tropas soviéticas em 1989, fica perto do Parlamento. É simples, sem sentimentalismos: uma pedra preta baixa com nomes e a data gravados. Flores são depositadas ali sem alarde. Não é um local turístico, mas um eixo cívico.

A relação de Tbilisi com a memória é moldada pela acumulação, não pela curadoria. O passado não é empacotado. Ele coexiste com o presente — muitas vezes de forma estranha, às vezes invisível, mas sempre insistente. Você compra tomates ao lado das ruínas de uma igreja armênia. Você procura livros em uma praça que leva o nome de um general que mudou de aliança. Você estaciona seu carro perto da fundação de uma fortaleza. A cidade não exige que você observe esses cruzamentos. Mas, se você observar, a experiência se aprofunda.

Mercados e monumentos não são opostos aqui. Eles operam no mesmo continuum. Ambos se preocupam com a preservação — não em âmbar, mas em uso. Objetos, espaços e histórias circulam não isoladamente, mas em relação. Em Tbilisi, a memória não é uma posse. É uma transação pública.

Vinhedos, adegas e a continuidade da hospitalidade georgiana

Na Geórgia, o vinho não é um produto. É uma linhagem. Uma herança transmitida no barro, nos gestos, nos rituais, no ritmo da fala à mesa. Tbilisi, embora não seja uma região vinícola propriamente dita, permanece inseparável desse continuum. A capital absorve, reflete e circula as antigas tradições vinícolas do país — moldadas não por novidades ou tendências de mercado, mas por uma memória tão profunda quanto a própria terra.

Evidências arqueológicas confirmam que a viticultura na Geórgia remonta a pelo menos 8.000 anos, tornando-a uma das culturas produtoras de vinho mais antigas do mundo. Isso não é trivialidade acadêmica — é autoconhecimento nacional. O qvevri, um grande recipiente de barro enterrado para fermentar e envelhecer vinho, é central para essa tradição. Sua forma, função e papel espiritual permaneceram praticamente inalterados desde o período Neolítico. O processo é orgânico, literal: o suco de uva, as cascas, os caules e as sementes fermentam juntos no qvevri por vários meses antes da clarificação. O que emerge não é apenas vinho, mas uma expressão física do solo que o produziu.

Em Tbilisi, essa conexão com a terra se manifesta em locais tanto cerimoniais quanto domésticos. Bares de vinho e adegas pontilham os bairros mais antigos — alguns construídos para esse fim, outros reformados como antigos estábulos, porões ou depósitos abandonados. Em Sololaki e Avlabari, é possível descer degraus de pedra até abóbadas iluminadas por velas, onde as paredes ainda exalam o frescor de séculos. Não se trata de estabelecimentos anônimos. Eles carregam nomes — de famílias, de vilas, de variedades de uva — e, muitas vezes, trazem a marca de uma ou duas pessoas que supervisionam todas as etapas, da prensagem ao vazamento.

O Gvino Underground, perto da Praça da Liberdade, é amplamente considerado o primeiro bar de vinhos natural da cidade. Continua sendo um ponto de referência: arcos baixos, pisos com manchas de qvevri, prateleiras repletas de garrafas não filtradas de toda a Geórgia, cada uma com uma história. Os funcionários falam do vinho não em termos de classificação ou corpo, mas de clima, altitude e safra. Muitos são produtores de vinho. Há pouca pretensão aqui, apenas um compromisso com o vinho como narrativa. Um cliente pode receber um Kisi de Kakheti, um vinho âmbar tão tânico que beira a austera, ou um delicado Chinuri de Kartli — cada taça servida com a compreensão implícita de que o apreciador agora faz parte de seu arco.

A variedade de uvas cultivadas na Geórgia é impressionante. Existem mais de 500 variedades endêmicas — das quais cerca de 40 ainda são cultivadas ativamente. Saperavi, profunda e robusta, forma a espinha dorsal de muitos tintos. Rkatsiteli, versátil e expressiva, sustenta inúmeros âmbares e brancos. Uvas menos conhecidas, como Tavkveri, Shavkapito e Tsolikouri, oferecem um caráter mais regional, frequentemente ligado a microclimas específicos e práticas ancestrais.

O que distingue a cultura vinícola georgiana de suas contrapartes europeias não é apenas a uva, mas a estrutura em que ela é consumida. O supra, um banquete ritualizado, continua sendo o cenário principal para o papel social do vinho. Liderado por um tamada — um mestre de cerimônias com grande habilidade retórica — o supra se desenvolve ao longo de horas, estruturado por uma série de brindes: à paz, aos ancestrais, ao momento presente, aos mortos. O vinho nunca é bebido às pressas ou isoladamente. Cada brinde é um momento de fala, e cada gole, um gesto de intenção compartilhada.

Em casa, o supra pode ser improvisado ou elaborado. Em restaurantes, é frequentemente solicitado em celebrações — casamentos, reuniões, comemorações. Em ambos os casos, o vinho une os participantes, não como entretenimento, mas como invocação. O tamada não é apenas um anfitrião, mas um veículo para a memória comunitária, improvisando poesia e filosofia a cada brinde. Um bom tamada não bebe primeiro, mas por último. Ele espera até que o último convidado levante sua taça, garantindo que o foco coletivo permaneça intacto.

Vários restaurantes em Tbilisi buscam preservar essa experiência para os hóspedes. Em restaurantes etnográficos como Salobie Bia ou Shavi Lomi, os pratos são harmonizados não apenas com vinho, mas também com a identidade regional. Feijão de Racha, carne de porco defumada de Samegrelo, pão de milho de Guria — tudo servido em barro ou madeira, em ambientes que evocam interiores de fazendas ou salões urbanos. O vinho, aqui, é tanto complemento quanto âncora. A equipe é frequentemente treinada para explicar as variedades com cuidado, apontando as diferenças entre os vinhos âmbar envelhecidos em qvevri e seus equivalentes europeus mais recentes.

Em alguns lugares, a produção de vinho acontece no próprio local. Vinícolas urbanas surgiram em Tbilisi e arredores — pequenas empresas, muitas vezes familiares, que cultivam uvas fora da cidade e as fermentam em garagens, galpões ou adegas reformados. Esses espaços muitas vezes confundem a linha entre produção e desempenho. Um convidado pode ser convidado para uma degustação em pé ao lado de um tanque de fermentação. Um primo pode aparecer dos fundos para cantar uma canção folclórica. O pão pode ser partido por impulso, o queijo fatiado sem cerimônia.

Além desses espaços com curadoria, o vinho continua a funcionar como um meio de hospitalidade. Um hóspede que chega a uma casa — especialmente em bairros antigos — ainda provavelmente receberá vinho sem preâmbulo. A garrafa pode não ter rótulo, ser retirada de uma jarra de plástico, âmbar e ligeiramente turva. Isso não é uma falha, mas um sinal de intimidade. O vinho é caseiro, frequentemente prensado por parentes durante a época da colheita, e compartilhado não como inventário, mas como continuidade. Recusar não é rude, mas marca alguém como externo. Aceitar é entrar no círculo, mesmo que brevemente.

Para quem busca entender esse ritmo mais profundo, a proximidade de Tbilisi com Kakheti — a principal região vinícola do país — oferece um contexto adicional. Passeios de um dia e excursões de vários dias a vilarejos como Sighnaghi, Telavi ou Kvareli oferecem acesso a tours por vinhedos e workshops de qvevri. Mas é em Tbilisi que o mosaico dessas tradições converge. Aqui, pode-se beber Saperavi em um apartamento da era soviética transformado em galeria, ou compartilhar Rkatsiteli com estranhos em um terraço onde videiras se estendem sobre treliças de metal enferrujadas.

O vinho em Tbilisi não é uma indulgência. É um modo de ser. Ele conecta a agricultura à cosmologia, o sabor ao tempo, a terra à língua. Seja filtrado ou cru, engarrafado ou decantado de uma garrafa de refrigerante reutilizada, ele carrega consigo o peso de gerações que plantaram, prensaram, serviram e relembraram.

Edge e Expressão – Vida Noturna, Subcultura e a Cidade Depois do Anoitecer

À medida que a luz do dia se esvai no horizonte irregular de Tbilisi, os contornos da cidade não se confundem, mas se deslocam. Os motivos arquitetônicos — varandas, cúpulas, torres — dão lugar a silhuetas iluminadas por trás, enquanto o zumbido do comércio diurno dá lugar a um ritmo mais solto e sincopado. Nas horas após o anoitecer, Tbilisi não desacelera. Ela muda de ritmo. A noite aqui é menos uma fuga do dia do que uma continuação de seus pensamentos inacabados — suas discussões, seus excessos, seus anseios.

A vida noturna em Tbilisi carrega a estrutura da improvisação. Ela é definida menos por distritos ou designações do que por redes: de artistas, músicos, estudantes e expatriados que se movem entre espaços conhecidos e mutáveis. A cultura noturna da cidade é porosa, informal, profundamente social — e cada vez mais expressiva das tensões e potencialidades que definem o presente georgiano pós-soviético, pós-pandêmico e ainda fragmentado.

O emblema mais proeminente da identidade noturna de Tbilisi continua sendo o Bassiani, um clube de techno instalado nas entranhas de concreto da Dinamo Arena, o maior estádio esportivo da cidade. É um local improvável — uma piscina extinta convertida em uma pista de dança cavernosa —, mas perfeitamente emblemático da lógica criativa da cidade. O Bassiani é mais do que um local. Desde sua fundação em 2014, tornou-se uma instituição cultural, um local de resistência, um laboratório de som e, para muitos, um santuário.

O clube alcançou destaque internacional por seu rigor curatorial — contratando figuras de destaque da música eletrônica global e, ao mesmo tempo, cultivando talentos locais com a mesma seriedade. A música é exigente, frequentemente sombria, pouco comercial e explicitamente política em sua estrutura. A entrada é seletiva, embora não necessariamente exclusiva: o objetivo é proteger a atmosfera, não impor elitismo. Celulares são desaconselhados. Fotografia é proibida. Lá dentro, o que emerge é uma espécie de catarse coletiva, curada por meio de luz, som e movimento.

Em 2018, Bassiani e o Café Gallery, outro clube com uma pista de dança voltada para o público LGBTQIA+, foram invadidos por policiais fortemente armados, o que desencadeou protestos em massa. Os protestos, realizados em frente ao Parlamento, na Avenida Rustaveli, assumiram a forma de uma rave ao ar livre — milhares de pessoas dançando em desafio à repressão estatal, reivindicando o direito de se reunir, de se movimentar e de existir. O episódio consolidou o lugar dos clubes no imaginário político da Geórgia. Também iluminou o terreno frágil sobre o qual tais espaços se assentam.

Outros espaços ecoam esse ethos em diferentes escalas. O Mtkvarze, instalado em um prédio da era soviética à beira do rio, opera em diversas salas e ambientes, combinando techno com gêneros experimentais e instalações visuais. O Khidi, localizado sob a Ponte Vakhushti Bagrationi, adota uma estética brutalista e uma programação igualmente austera. O Fabrika, por outro lado, é um centro mais acessível: uma fábrica de costura soviética adaptada que agora abriga bares, galerias, espaços de coworking e um albergue, formando uma espécie de sala de estar semicomunitária para jovens criativos, turistas e empreendedores. Seu pátio é ladeado por grafites, cafés e bancos feitos de blocos de concreto e detritos industriais — uma estética intencional de reutilização e informalidade.

No entanto, a cultura noturna de Tbilisi não se limita às casas noturnas. Cafés noturnos, bares clandestinos e casas noturnas underground moldam as paisagens subculturais mais fragmentadas da cidade. Em Sololaki, apartamentos reformados funcionam como salões onde se realizam apresentações de spoken word, jazz experimental ou exibições de filmes para pequenos públicos. Esses encontros costumam ser exclusivos para convidados, operando por meio de redes privadas, mas continuam essenciais para o metabolismo cultural da cidade.

A cena de bares é diversificada e descentralizada. Com formato de boteco, mas muitas vezes com um espírito surpreendentemente curado, esses espaços operam com sinalização minimalista e personalidade máxima. Vino Underground, Amra, 41° Art of Drink e Café Linville articulam, cada um, uma sensibilidade diferente — focada em vinho, literária, regional, retrô. As bebidas raramente são padronizadas. Os cardápios costumam ser escritos à mão. A música pode vir de um disco de vinil ou de uma caixa de som emprestada. Estes não são lugares construídos para escala; são lugares construídos para ressonância.

A cena queer, embora ainda limitada pelo conservadorismo social e pela interferência policial ocasional, permanece desafiadoramente visível. O Café Gallery, embora fechado e reaberto diversas vezes, continua a operar como um dos raros espaços abertamente queer da cidade. As Noites de Horoom, realizadas periodicamente em Bassiani, servem como um evento especificamente de afirmação LGBTQ+. O acesso a essas cenas é controlado com delicadeza; segurança e discrição ainda são preocupações fundamentais. Mas o que emerge não é marginal — é essencial, fazendo parte da expressão mais ampla de identidade e dissidência da cidade.

Grande parte da vida noturna aqui mantém uma estética distintamente "faça você mesmo". Os eventos são anunciados via Telegram ou stories do Instagram. Os locais mudam. O pagamento pode ser feito somente em dinheiro. As apresentações são realizadas em armazéns, fábricas abandonadas ou sob viadutos de rodovias. A infraestrutura é frágil, mas a intencionalidade é alta. Não são cenas movidas pelo lucro. Elas estão ancoradas na comunidade, em uma necessidade compartilhada de expressão e comunhão em meio à instabilidade econômica e à incerteza política.

Fora dos enclaves subculturais, a vida noturna tradicional persiste: lounges de shisha com iluminação LED, bares em terraços com vista panorâmica e preços premium, restaurantes que se transformam em pistas de dança à medida que a noite avança. Esses espaços frequentemente atendem a uma clientela diferente — moradores mais abastados, turistas, expatriados — e replicam tendências globais com um toque georgiano: khinkali servido com mojitos, techno seguido de remixes pop, Tbilisi apresentada como uma "experiência" comercializável. Eles não são falsos nem inautênticos. Atendem a uma demanda. Mas não definem a noite.

A vida nas ruas, especialmente no verão, se estende até bem depois da meia-noite. A Avenida Rustaveli está movimentada com estudantes e jovens casais. A Ponte Seca fervilha com vendedores ambulantes e músicos improvisados. Skatistas percorrem a Praça Orbeliani. Grupos se reúnem à beira do rio, garrafas de vinho compartilhadas em copos plásticos, músicas antigas cantadas em harmonias sobrepostas. Não há fechamento forçado. A cidade se acalma gradualmente e depois recomeça.

A noite em Tbilisi é ao mesmo tempo libertação e reflexão. É onde o controle se afrouxa, onde os limites se expandem. Não é um momento à parte das verdades mais profundas da cidade — é onde essas verdades vêm à tona com mais liberdade: improvisação, intimidade, instabilidade e alegria. E quando o sol retorna, as evidências permanecem apenas em fragmentos — cinzeiros cheios, pegadas na poeira, vozes roucas de tanto cantar.

Tbilisi à noite não se anuncia. Simplesmente acontece. Repetidamente. Relutantemente. Sem roteiro. E aqueles que a adentram com abertura, que seguem seus ritmos sem exigir direção, podem encontrar não uma fuga, mas um encontro.

Entre a ruína e a renovação: gentrificação, construção e a cidade em fluxo

Tbilisi, em sua forma atual, vive em algum lugar entre a fundação e a fachada. A cidade não está sendo reconstruída em golpes repentinos, nem abandonada inteiramente à decadência. Em vez disso, está passando por uma metamorfose lenta e irregular — uma arquitetura de tensão onde andaimes e silêncio coexistem. Cada bairro guarda traços de transição: uma janela recém-envidraçada sobre um batente de porta em ruínas, um hotel-boutique ao lado de uma estrutura queimada, um mural florescendo sobre um muro destinado à demolição.

Esta não é uma cidade simplesmente gentrificada. A gentrificação implica um vetor claro: da negligência ao investimento, da classe trabalhadora à classe média. A transformação de Tbilisi é mais irregular. Ela se move aos trancos e barrancos, moldada tanto pela ambição especulativa quanto pelo instinto estético ou pela indiferença municipal. O resultado é uma paisagem física e psicológica onde a mudança parece inevitável e irresoluta.

Em Sololaki e na Velha Tbilisi, os sinais são mais claros. Prédios antes compartilhados por várias famílias — vestígios de moradias comunitárias soviéticas — agora estão sendo divididos, reformados ou rebatizados. Terraços surgem onde antes havia cabanas de lata. Os interiores são reformados com tijolos aparentes e decoração minimalista, comercializados como "autênticos", mas despojados das improvisações que os definiam. Esses bairros, ricos em arquitetura do século XIX, tornaram-se atraentes para incorporadoras que buscam o mercado turístico patrimonial: hotéis com fontes vintage e imperfeições selecionadas, restaurantes com cardápios em quatro idiomas e paredes forradas com samovares.

No entanto, grande parte da restauração é superficial. As fachadas são limpas e retocadas, enquanto problemas de fundação – vazamentos de canos, fiação elétrica defeituosa, vigas de madeira apodrecidas – permanecem sem solução. Alguns prédios são comprados e abandonados, mantidos como investimentos por proprietários ausentes. Outros são despojados de inquilinos por meio de pressão silenciosa, aumento de aluguéis ou pura e simples ofuscação legal. Moradores que moram nos mesmos apartamentos há gerações se veem cada vez mais marginalizados, não por decreto, mas pela deriva econômica.

Paralelamente a esse deslocamento silencioso, há uma forma mais ruidosa de expansão: a ascensão de torres de luxo e condomínios fechados, particularmente em Saburtalo, Vake e na periferia leste da cidade. Esses edifícios, frequentemente com 15 a 30 andares, surgem abruptamente — construídos às pressas, sem um planejamento urbano coerente. Muitos violam as leis de zoneamento, elevando-se acima dos limites de altura ou invadindo espaços verdes. Alguns são construídos em terrenos adquiridos em condições opacas. Poucos oferecem serviços públicos. Suas fachadas são revestidas de vidro espelhado ou pedra modular, com nomes como "Jardins de Tbilisi" ou "Torres do Eixo" — alcunhas aspiracionais dissociadas do lugar.

Os canteiros de obras são constantes: caminhões de cimento estacionados nas calçadas, vergalhões projetando-se de pisos inacabados, faixas prometendo "qualidade europeia" ou "vida futura". Guindastes sobrevoam bairros onde a infraestrutura — esgoto, ruas, escolas — está muito aquém da densidade populacional presumida por essas torres. O boom da construção civil é impulsionado por remessas, compras especulativas e um influxo de investimentos estrangeiros, especialmente da Rússia, do Irã e, cada vez mais, de nômades digitais em busca de estadias de curta duração.

Para muitos tbilisianos, essas mudanças são desorientadoras. A cidade que habitam torna-se menos navegável, menos familiar. Lugares ligados à memória — cinemas, padarias, pátios — desaparecem sem aviso, substituídos por cafeterias de rede ou fachadas bege. O espaço público se contrai. As linhas de visão desaparecem. As colinas não são mais visíveis de certas janelas. O Mtkvari, antes ladeado por barrancos de pedra e casas de madeira, é cada vez mais cercado por novos empreendimentos, alguns construídos sem acesso ao rio ou trilha.

As políticas governamentais oferecem pouca orientação coerente. As estratégias de desenvolvimento urbano raramente são publicadas na íntegra; as consultas públicas são limitadas ou superficiais. Ativistas e arquitetos têm manifestado preocupação, especialmente em relação à degradação ambiental e ao apagamento cultural. O controverso projeto Panorama Tbilisi — um ambicioso complexo de luxo próximo à histórica serra acima de Sololaki — gerou protestos por seu impacto visual e ecológico. Críticos argumentam que tais empreendimentos não apenas distorcem o caráter histórico da cidade, mas também violam a integração orgânica da arquitetura de Tbilisi com sua topografia.

Os espaços verdes da cidade são particularmente vulneráveis. Os parques são invadidos por estacionamentos ou projetos de "embelezamento" que eliminam a biodiversidade em favor de um paisagismo uniforme. Árvores são removidas sem autorização. Trilhas nas encostas são pavimentadas. Em alguns casos, árvores históricas são derrubadas durante a noite, e sua ausência só é explicada posteriormente. O Jardim Botânico perdeu partes de sua periferia para construções adjacentes. O Parque Vake, há muito um refúgio da densidade urbana, enfrenta ameaças de novas estradas e empreendimentos que margeiam seus limites.

No entanto, em meio a isso, vozes alternativas persistem. Arquitetos, artistas e urbanistas independentes trabalham para documentar e resistir às formas mais flagrantes de apagamento. Arquivos digitais de edifícios ameaçados circulam nas redes sociais. Grafiteiros gravam lembretes em muros de empreendimentos imobiliários: "Isto era uma casa". Intervenções artísticas temporárias reaproveitam edifícios abandonados antes da demolição. Pequenos coletivos organizam passeios a pé, leituras públicas ou projetos de memória com o objetivo de criar narrativas alternativas do espaço.

Nem toda mudança é extrativa. Algumas reformas são realizadas com cuidado, preservando pátios internos, restaurando varandas de madeira entalhada e consultando especialistas em patrimônio. Novos centros culturais surgiram de ruínas industriais. O complexo Fabrika, apesar de sua inclinação comercial, conseguiu manter um senso de comunidade porosa. Antigas fábricas em Didube e Nadzaladevi agora abrigam estúdios de arte, salas de ensaio e grupos literários. Alguns empreendedores fizeram parcerias com historiadores locais para nomear ruas e projetos com nomes de figuras da cultura georgiana, em vez de internacionalismos genéricos.

Ainda assim, a tendência geral é de fragmentação. Não há uma visão única para o futuro de Tbilisi. Em vez disso, a cidade se encontra em uma encruzilhada onde forças concorrentes — patrimônio e capital, memória e utilidade, regulamentação e improvisação — colidem sem síntese. O resultado é uma espécie de palimpsesto urbano: camadas escritas e sobrescritas, nunca totalmente apagadas.

Caminhar por Tbilisi hoje é testemunhar uma cidade em fluxo ideológico. Ela não está congelada na história nem comprometida com um futuro coerente. Em vez disso, oferece vislumbres: do que resta, do que poderia ter sido e do que está chegando rápido demais para ser compreendido plenamente. A beleza da cidade não reside em sua perfeição, mas em sua recusa em se acomodar. É um lugar que permanece, teimosa e desconfortavelmente, inacabado.

No Limiar – Língua, Identidade e os Limites da Europa

Tbilisi, assim como o país que ancora, não se alinha perfeitamente com os binários continentais. Não é nem totalmente europeia nem totalmente asiática, nem firmemente ortodoxa nem estritamente secular, nem colonial nem colonizada no sentido usual. Em vez disso, ocupa uma margem que não é periférica, mas formativa — uma borda que molda a identidade tanto quanto a desestabiliza. Este é um lugar não de síntese, mas de simultaneidade.

A língua é talvez a expressão mais imediata dessa identidade em camadas. O georgiano, com seu alfabeto único e raízes kartvelianas, é falado com apego intenso. É uma língua de profunda consistência interna, mas com singularidade externa — não indo-europeia, sem parentesco com o russo, o turco ou o persa, desenvolvida e preservada em quase isolamento ao longo dos séculos. Sua escrita, Mkhedruli, aparece em vitrines, cardápios e avisos públicos — uma cascata curvilínea que permanece opaca para a maioria dos visitantes, mas onipresente. As letras são bonitas, mas resistentes. A compreensão não vem rapidamente, mas por meio de uma proximidade prolongada.

O georgiano é mais do que um meio de comunicação — é uma postura cultural. Falá-lo fluentemente, mesmo que hesitante, é ser convidado a um nível diferente de intimidade social. Ignorá-lo, ou presumir sua semelhança com o russo ou o armênio, é interpretar mal as tensões geopolíticas e históricas da cidade. A língua não é neutra aqui. Ela foi imposta, suprimida, revivida, politizada.

O russo continua sendo amplamente falado, especialmente entre as gerações mais velhas, e sua presença é complexa. Para alguns, é a língua franca por necessidade, usada em mercados, burocracia e comunicação transfronteiriça. Para outros, é uma dolorosa lembrança da ocupação — primeiro imperial, depois soviética. O recente afluxo de expatriados russos fugindo do recrutamento ou da censura após a invasão da Ucrânia reacendeu essas sensibilidades. Cartazes com os dizeres "Desertores russos, voltem para casa" apareceram em escadarias e cafés. Pichações em ambas as línguas afirmam e repreendem a presença. E, no entanto, em muitos bairros, o georgiano e o russo coexistem no cotidiano com um pragmatismo desconfortável.

O inglês, por outro lado, é a língua da aspiração e da juventude. É a língua de startups de tecnologia, ONGs, cafés descolados e programas universitários. Sua fluência frequentemente marca o status socioeconômico. Os jovens tbilisianos, especialmente aqueles nos distritos centrais da capital, são cada vez mais bilíngues em georgiano e inglês, formando uma classe linguística distinta tanto de seus anciões educados na União Soviética quanto de seus parentes rurais. Para eles, o inglês não é apenas uma ferramenta — é um horizonte.

O multilinguismo não é novidade em Tbilisi. Historicamente, a cidade funcionou como uma zona poliglota, com comunidades armênias, azeris, gregas, persas, curdas e judaicas coabitando, cada uma contribuindo para um mosaico de línguas faladas em pátios, lojas e liturgias. Essa diversidade diminuiu, mas sua marca permanece. Nomes de lugares, termos culinários, sobrenomes de família — todos carregam traços de configurações mais antigas e pluralistas.

A identidade em Tbilisi não é singular. Nem sequer estável. Ela oscila entre o orgulho local e a ambiguidade regional, entre a memória herdada e a reinvenção estratégica. A cidade se vê, cada vez mais, como uma capital europeia — alinhada aos valores políticos e culturais ocidentais, progressista no discurso, embora nem sempre na lei. Bandeiras da União Europeia tremulam ao lado das georgianas em prédios governamentais. Estudantes do programa Erasmus lotam as escadas da universidade. Projetos de renovação urbana financiados pela UE pontilham a cidade. No entanto, a adesão efetiva à UE permanece ilusória, adiada pela burocracia e pela complexidade geopolítica. A contradição é vivida diariamente: as formas da Europa são adotadas, mas sua segurança e integração permanecem distantes.

Os tbilisianos, no entanto, são experientes nessa dissonância. Eles sabem como lidar com contradições sem exigir resolução. O orgulho pela tradição ortodoxa georgiana não impede uma defesa apaixonada da liberdade de imprensa. Uma profunda reverência pela língua e pela história coexiste com críticas severas aos excessos do governo. Tanto em protestos quanto em comemorações, a cidade fala com um tom incisivo, plural e, muitas vezes, profundamente irônico.

Essa ironia é essencial. Tbilisi não se limita à sinceridade. Seu humor é seco, sua sátira é afiada, sua autopercepção é reflexiva. Charges políticas são populares; protestos teatrais são frequentes. O discurso público, especialmente entre os jovens, é permeado por trocas de códigos, piadas internas e alusões históricas. A tradição literária da cidade — de Ilia Chavchavadze a Zurab Karumidze — é impregnada de ambiguidade. A linguagem, assim como a identidade, nunca é usada de forma superficial.

A identidade nacional na Geórgia não se constrói na monocultura, mas na sobrevivência. O país sobreviveu a impérios sucessivos, absorvendo, resistindo e perdurando cada um deles. Seu alfabeto, culinária, música polifônica e rituais festivos carregam a marca da continuidade — não porque permaneçam inalterados, mas porque se adaptaram sem se dissolver. Tbilisi mantém essas continuidades em visível tensão com a mudança. É uma cidade onde igrejas medievais e torres pós-modernas se distanciam a metros de distância; onde os nomes das ruas mudam a cada reorientação política; onde memória e aspiração caminham lado a lado.

A identidade étnica em Tbilisi continua sendo um tema delicado. A cidade, que já abrigou vibrantes populações armênias e judaicas, agora reflete uma maioria georgiana mais homogeneizada. As razões são muitas: migração, assimilação, marginalização econômica. Restos permanecem – uma igreja armênia aqui, uma padaria judaica ali – mas não são mais centrais para a demografia da cidade. No entanto, em momentos de crise ou reflexão cultural, essas presenças passadas são lembradas, invocadas, às vezes mercantilizadas. A cidade não é imune à nostalgia, mas raramente se entrega a ela plenamente. O passado não é uma fuga – é uma negociação.

Ser georgiano em Tbilisi é ter dignidade e volatilidade. É conhecer o peso da hospitalidade e a realidade das fronteiras. É receber estrangeiros com generosidade e questionar suas motivações no dia seguinte. É se ver como antigo e voltado para o futuro ao mesmo tempo.

A fronteira de Tbilisi não é apenas geográfica — é existencial. É a fronteira dos impérios, a fronteira da Europa, a fronteira da certeza. Essa liminaridade não é fraqueza. É generativa. Dela advém a força improvisacional da cidade, sua capacidade de adaptação, seu tipo particular de sabedoria — uma sabedoria que não busca resolver contradições, mas sim habitá-las com clareza e humor.

Tbilisi não fica no caminho para lugar nenhum. É um lugar em si mesmo. E sua identidade, assim como sua língua, resiste à monotonia. Ela fala em curvas, em consoantes, em brindes, canções e negociações sussurradas. Não pede para ser compreendida rapidamente. Pede para ser acompanhada.

A Forma da Vida Cotidiana: Alimentação, Família e a Arquitetura Doméstica do Tempo

Em Tbilisi, a vida cotidiana não é estruturada por horários ou sistemas, mas por uma coreografia de ritmos frouxos: a agitação matinal dos mercados e fogões, a calmaria do meio-dia que se infiltra nos pátios e cafés, os jantares tardios que se estendem até a meia-noite com conversas e vinho. Aqui, o tempo é relacional. Ele se estende e se comprime de acordo com quem está reunido, o que está sendo preparado ou como o clima do dia alterou o humor da cidade.

A vida doméstica em Tbilisi é profundamente tátil. Começa na soleira da porta, muitas vezes com o ranger de uma escada velha, o bater da bengala de um vizinho no azulejo, o cheiro misturado de cera para piso, fumaça de cigarro e pão assando vários andares abaixo. Nos bairros mais antigos da cidade — Sololaki, Mtatsminda, Chugureti —, prédios de apartamentos do século XIX e início do século XX permanecem habitados por várias gerações. Os interiores são repletos de história familiar: armários de cristal, tapetes tecidos à mão, fotografias desbotadas presas acima de interruptores de luz, televisores murmurando sobre panelas fumegantes de lobio ou chakhokhbili. O espaço é compartilhado, raramente segmentado. As varandas servem como despensas, oficinas, estufas ou salas de jantar, dependendo da estação.

A comida, mais do que tudo, marca a passagem do dia. A culinária georgiana não é rápida nem solitária. Exige tempo, toque e participação. A massa deve ser sovada, descansada e dobrada. O queijo deve ser esticado, salgado e curado. O feijão deve ser demolhado, cozido em fogo baixo, amassado e temperado. O ato de cozinhar não é simplesmente um alimento, mas uma forma de continuidade social. Receitas são aprendidas observando, fazendo — transmitidas em punhados e pitadas, não em xícaras medidas.

Cada refeição, mesmo a informal, retém elementos de cerimônia. O pão é essencial — geralmente puri, assado em fornos de barro embutidos no chão, com as paredes escaldantes. Os vendedores retiram os pães com varas em forma de gancho, com suas cascas douradas e empoladas. Khachapuri, recheado com queijo e em formato de barco ou redondo, aparece como refeição e acompanhamento. A versão imeretiana é plana e densa; a adjariana, rica, com um ovo cru aninhado em queijo derretido e manteiga. Khinkali, os bolinhos feitos à mão, recheados com carne temperada ou cogumelos, são comidos com deliberada bagunça — mordidos com cuidado para evitar derramar o caldo, nunca cortados com faca.

Não se trata de alimentos preparados para porções individuais. São feitos para serem compartilhados, servidos à mesa, comidos em companhia. A própria mesa — de madeira, muitas vezes grande demais, rodeada de cadeiras descombinadas — torna-se o eixo da vida doméstica. As refeições são longas, interrompidas por brindes, histórias e telefonemas. Crianças vêm e vão. Parentes idosos comentam sobre o tempero. O vinho é servido e reabastecido, mesmo para os relutantes.

Há uma cadência nessas refeições que resiste à pressa. Não se "pega um pedaço". Come-se como um ato de presença. Em algumas casas, o café da manhã pode ser modesto — pão, queijo, ovos, geleia —, mas o almoço é substancial, e o jantar, especialmente quando há convidados, pode beirar a epopeia. Mesmo as noites dos dias úteis podem se estender até tarde, principalmente no verão, quando o calor persiste após o pôr do sol e as varandas se transformam nas salas de jantar ao ar livre da cidade.

Além da mesa doméstica, a comida permeia o tecido urbano. Pequenas padarias pontuam cada bairro, com suas vitrines embaçadas pelo vapor, suas prateleiras repletas de pães quentinhos. Açougues e queijarias operam com base na confiança, suas seleções explicadas pelo olhar do vendedor e não pelos rótulos. Dukanis — pequenas lojas familiares — vendem de tudo, de feijão a pilhas. Elas podem não ter placa, apenas uma cortina de contas e o cheiro de legumes em conserva. Cada uma é uma microeconomia, muitas vezes administrada por uma única mulher que viu gerações de crianças da vizinhança crescerem e se mudarem.

Mercados de alimentos ao ar livre ampliam ainda mais essa arquitetura da vida cotidiana. O bazar da Praça da Estação, Dezertirebi, Ortachala — todos fervilham com o material das refeições: ervas amarradas em barbantes, nozes quebradas à mão, potes de tkemali (molho de ameixa azedo) em verde e vermelho, adjika (pasta picante) em potes de plástico. As transações são frequentemente silenciosas. Um gesto, um olhar, uma mão firme são suficientes. Esses mercados não visam a conveniência — são organizados mais por hábito do que por lógica —, mas persistem como infraestrutura vital e vivida.

A estrutura familiar permanece central, embora em transformação silenciosa. Tradicionalmente, as famílias eram multigeracionais, com avós, filhos e netos compartilhando o mesmo teto. No período soviético, os apartamentos comunitários expandiram essa intimidade entre famílias sem parentesco. As pressões econômicas pós-independência fragmentaram alguns desses arranjos, enquanto ondas de emigração enviaram jovens georgianos para o exterior, especialmente mulheres que trabalhavam como cuidadoras na Itália, Grécia e Alemanha. As remessas sustentam muitas famílias, mesmo que as ausências as reconfigurem.

Em Tbilisi, hoje, muitos lares ainda refletem esses padrões herdados. As avós costumam ser as principais cuidadoras; os avôs, os guardiões da história da família. Os jovens adultos podem morar em casa até o casamento ou retornar após temporadas no exterior. A privacidade é negociada cômodo por cômodo, dia após dia. Discussões ecoam pelas escadas compartilhadas. Celebrações, da mesma forma, se espalham pelos pátios, varandas e pela própria rua.

O espaço doméstico também é marcado por gênero, embora não de forma simplista. As mulheres dominam a cozinha, o orçamento, os ritmos de cuidado. Espera-se que os homens sustentem, brindem e liderem. No entanto, esses papéis são frequentemente invertidos na prática, obscurecidos pela necessidade econômica e pela mudança geracional. Uma avó pode ser a provedora mais consistente. Um filho pode cozinhar enquanto sua mãe administra as contas da família. Esses ajustes não ocorrem como declarações, mas como adaptações.

A religião também habita a esfera doméstica. Ícones na cozinha, pequenas cruzes acima das portas, água benta em garrafas plásticas recicladas — a ortodoxia permanece profundamente enraizada na textura do lar. A oração não é necessariamente pública ou performática; é integrada, habitual. Mesmo entre os não observantes, os gestos rituais persistem: fazer o sinal da cruz ao passar por uma igreja, acender uma vela para um parente falecido, jejuar antes de um dia festivo. A fé nem sempre é visível, mas raramente está ausente.

As casas de Tbilisi não são espaços neutros. Elas carregam o peso da história — móveis soviéticos ao lado de luminárias da IKEA, linho bordado sob laptops, fotos de casamento desbotadas em sépia, brinquedos infantis espalhados ao lado de relíquias de família. Cada objeto carrega uma história, cada parede, uma colcha de retalhos de intenção e compromisso. As reformas acontecem lentamente, se tanto. Um cômodo pode ser repintado em um ano e recolocado no piso no ano seguinte. Vazamentos são remendados. Rachaduras são toleradas. O parque habitacional da cidade, assim como sua população, mostra sinais de desgaste. Mas funciona, se adapta, se mantém.

Ser convidado para uma casa em Tbilisi é algo que deve ser levado a sério. Não é um gesto de polidez — é uma forma de inclusão. Espera-se que a pessoa coma, fique bastante tempo e fale livremente. O anfitrião insistirá em servir. Espera-se que o convidado aceite. Os limites são suaves, mas a etiqueta é firme. Não é performance. É costume.

Dessa forma, a vida doméstica de Tbilisi continua a resistir à mercantilização. Não é retocada para o turismo, nem reorganizada para fins estéticos. Permanece enraizada na necessidade, na relação, numa espécie de graça teimosa. O ritmo da cidade pode mudar, seu horizonte pode crescer, mas dentro de seus lares, a forma do tempo permanece circular: refeições repetidas, histórias recontadas, estações antecipadas em potes, molhos e canções.

A cidade como palimpsesto: vestígios soviéticos e tensões pós-soviéticas

Tbilisi não é uma cidade que se esquece facilmente. Suas estruturas, texturas, silêncios — tudo carrega a marca da ocupação e da ideologia. Em nenhum lugar isso é mais visível do que nos resquícios de seu passado soviético, que persistem não como peças de museu ou decoração nostálgica, mas como camadas não resolvidas na paisagem arquitetônica e psicológica da cidade. O período soviético — setenta anos de imposição ideológica, controle estético e transformação material — não passou simplesmente por Tbilisi. Reconfigurou a cidade. E continua a moldar a forma como Tbilisi se vê no presente.

Essa influência é mais perceptível no ambiente construído. Do monumental ao mundano, a arquitetura da era soviética permanece incontornável. O prédio do Ministério das Rodovias — agora ocupado pelo Banco da Geórgia — é talvez o exemplo mais icônico. Projetado no início da década de 1970 pelos arquitetos George Chakhava e Zurab Jalaghania, ergue-se sobre o Rio Kura como uma exclamação de concreto, com seus blocos em balanço empilhados como uma torre Jenga brutalista. É ao mesmo tempo audacioso e austero, uma estrutura que desperta admiração e ceticismo em igual medida. Para alguns, é um símbolo da inovação soviética; para outros, uma imposição alienígena na paisagem georgiana.

Outras relíquias soviéticas são menos celebradas, mas mais onipresentes. As estações de metrô, com seus revestimentos de mármore e iluminação intensa, preservam a estética do otimismo do socialismo tardio — ordenadas, monumentais, construídas para esse fim. Blocos de casas de painéis — khrushchyovkas e brezhnevkas — estendem-se por Saburtalo, Gldani e Varketili, com suas fachadas repletas de aparelhos de ar-condicionado, antenas parabólicas e improvisações de reparos particulares. Esses prédios, outrora símbolos de igualdade e progresso, agora são locais de ambivalência: necessários, mas envelhecidos, familiares, mas desprezados.

Monumentos do período soviético permanecem espalhados pela cidade, embora muitos tenham sido removidos, renomeados ou silenciosamente ignorados. A antiga estátua de Lenin, que outrora dominava a Praça da Liberdade, foi retirada em 1991. Sua ausência é marcada apenas pela coluna que agora abriga São Jorge — uma mudança não apenas na iconografia, mas também na gravidade ideológica. Memoriais soviéticos menores ainda pontilham parques e pátios: baixos-relevos de trabalhadores, placas comemorativas de sacrifícios em tempos de guerra, mosaicos em passagens subterrâneas e escadas. A maioria passa despercebida. Algumas estão danificadas. Poucos são conservados.

Mas nem todos os vestígios soviéticos são visuais. As estruturas sociais e institucionais impostas durante a URSS — educação centralizada, emprego industrial, policiamento secreto — deixaram marcas mais profundas. Muitos tbilisianos atingiram a maioridade dentro desse sistema, e os hábitos que ele produziu perduram. A linguagem burocrática permanece formal e indireta. As instituições públicas ainda carregam a arquitetura do controle: longos corredores, papéis selados, funcionários atrás de vidros. A cultura da informalidade — de favor, de solução alternativa, de negociação — emergiu como uma estratégia de sobrevivência sob a restrição soviética e perdurou até o presente pós-soviético.

O colapso da URSS em 1991 não trouxe uma ruptura definitiva. Trouxe fragmentação, crise econômica e, no caso da Geórgia, guerra civil. Durante grande parte da década de 1990, Tbilisi sofreu apagões, hiperinflação e colapso de infraestrutura. Aqueles anos não são facilmente estetizados. São lembrados pelo cheiro — aquecedores a querosene, mofo, concreto molhado — e pelo som: o ruído dos geradores, a ausência de trânsito. Para muitos, essas memórias são viscerais e implícitas. Elas moldam uma resiliência silenciosa, um ceticismo pragmático em relação às promessas do Estado.

A recuperação pós-soviética trouxe novas tensões. A Revolução das Rosas de 2003, liderada por Mikheil Saakashvili, prometia modernização e integração com o Ocidente. A corrupção foi contida. Os serviços públicos foram melhorados. Ruas foram limpas, fachadas pintadas, investimentos estrangeiros bem-vindos. No entanto, essa renovação teve seus próprios custos: gentrificação, deslocamentos e a substituição de mitos soviéticos por mitos neoliberais. O vidro substituiu o mármore. Os uniformes policiais mudaram, mas o aparato mais profundo de controle permaneceu.

Hoje, Tbilisi vive em um equilíbrio instável entre rejeição e herança. Prédios soviéticos são reformados com cafés e espaços de coworking. Antigos escritórios da KGB agora são apartamentos. Coletivos de jovens organizam sets de DJ em fábricas abandonadas. Os vestígios materiais do socialismo são recontextualizados, reinterpretados — muitas vezes com ironia, às vezes com reverência, ocasionalmente na ignorância de sua função original.

Essa ambivalência se manifesta também na arte e na cultura. Cineastas, escritores e artistas visuais continuam a explorar o passado soviético, não para condená-lo ou idealizá-lo, mas para compreender seus resíduos. Documentários como "Quando a Terra Parece Ser Luz" traçam subculturas juvenis em cenários de infraestrutura decadente. Instalações em casas de banho desativadas ou arquivos estatais exploram a memória, o apagamento e o pertencimento. A literatura navega pela lacuna entre o que foi vivido e o que foi permitido dizer.

Para a geração mais jovem, nascida após a independência, mas criada após ela, o passado soviético é distante e imediato. Eles não o vivenciaram diretamente, mas suas consequências definem seu presente: moradia herdada dos avós, sistemas previdenciários modelados em modelos ultrapassados, estruturas jurídicas ainda em processo de tradução. O passado não se foi. Ele está incorporado.

Dessa forma, Tbilisi opera como um palimpsesto — uma cidade não reconstruída, mas reescrita ao longo do tempo, com cada camada visível sob a seguinte. O período soviético é uma dessas camadas: não fundamental, mas inevitável. Ignorá-lo seria interpretar mal a estrutura da cidade. Fixar-se nele seria interpretar mal sua dinâmica.

A abordagem mais honesta talvez seja reconhecê-lo como material: como concreto e aço, como política e memória, como hábito e recusa. O passado, aqui, não está congelado em monumentos. É vivido em elevadores que nem sempre funcionam, em sistemas de aquecimento remendados com tubos de plástico, em conversas sobre confiança, risco e memória coletiva.

Tbilisi não resolve sua história. Ela a contém. Às vezes de forma estranha. Muitas vezes, de forma bela.

O passado, o presente e o peso da continuidade de Tbilisi

Tbilisi não aspira a ser atemporal. Não mascara suas rupturas nem finge permanência. O que oferece, em vez disso, é uma espécie de continuidade criada a partir da interrupção — uma cidade que lembra não pela preservação, mas pela resiliência. Sua identidade não se constrói sobre uma visão singular, mas sobre a recorrência, sobre o paciente reaparecimento do gesto, da matéria e da voz ao longo de séculos de convulsão.

Essa qualidade talvez seja mais visível na relação da cidade com a memória. Não a memória como monumento, mas como uma arquitetura vivida — uma maneira de retornar, reafirmar, refazer. Em Tbilisi, o passado não é totalmente sagrado nem totalmente superado. Ele é constantemente reencontrado na forma de nomes, hábitos, ruínas e restaurações. O prédio de apartamentos soviético reformado com uma loja de vinhos; a igreja medieval cujas paredes são grafitadas com três alfabetos; o auditório universitário que leva o nome de um poeta que morreu sob interrogatório. A cidade não monumentaliza essas heranças. Ela as incorpora ao cotidiano.

O passado não é distante. É tátil. Um passeio pelos bairros antigos o revela não como um verniz romântico, mas como persistência: estuque rachado ainda com a marca de floreios decorativos, escadarias deformadas por décadas de tráfego, varandas curvadas sob gerações de plantas, roupas lavadas e pessoas. Não são relíquias estéticas. São andaimes — que sustentam não apenas os edifícios de pé, mas também a memória no lugar.

A continuidade de Tbilisi também se reflete nos nomes. Os nomes das ruas mudam com os regimes políticos, mas o uso coloquial muitas vezes fica para trás em relação às mudanças oficiais. Os moradores ainda se referem às ruas por seus nomes soviéticos ou por marcos que não existem mais. "Rua Pushkin" pode aparecer como "Rua Besiki" em um mapa, mas o antigo nome permanece na fala. Esse palimpsesto linguístico sinaliza mais do que nostalgia — revela um profundo ceticismo em relação à autoridade imposta. O que perdura é o que é usado, não o que é ditado.

Até a memória institucional reflete essa tensão. Arquivos são subfinanciados, mas defendidos com afinco. Projetos de história oral florescem, não por iniciativa governamental, mas por meio de coletivos de base. As famílias mantêm seus próprios registros — fotografias, cartas, histórias transmitidas não para publicação, mas para salvaguarda. É uma forma de arquivamento privado que compensa a fragilidade dos registros públicos.

A educação desempenha um papel complexo nessa dinâmica. As escolas ensinam história nacional com orgulho, mas também com lacunas. A era soviética é abordada com cautela. Os conflitos pós-independência são frequentemente enquadrados em termos de resiliência e vitimismo, em vez de cumplicidade ou complexidade. No entanto, os alunos em Tbilisi aprendem a ler nas entrelinhas. Eles sabem que as narrativas oficiais raramente abrangem toda a verdade. Eles ouvem os silêncios. Eles perguntam aos seus avós.

A memória também vive no ritual público. As comemorações do massacre de 9 de abril, da guerra de 2008 ou da morte de Zurab Zhvania — o primeiro-ministro reformista encontrado morto em circunstâncias suspeitas — são frequentadas por aqueles para quem esses eventos não são abstratos, mas vividos. Flores são depositadas. Discursos são feitos. Mas, mais importante, as conversas continuam. Em cozinhas, cafés, auditórios e esquinas, a cidade narra a si mesma de volta à coerência.

A religião também funciona como um vetor de memória — não apenas teológica, mas cultural e temporal. Participar da liturgia na Catedral de Sioni ou em Sameba nem sempre é um ato de fé estrita. Para muitos, é um ato de participação: uma forma de habitar uma tradição que antecede a ruptura moderna. A estrutura ritual — os cânticos, as velas, o incenso — reafirma uma continuidade que a política não consegue. A fé aqui raramente é evangélica. Ela é ambiental, protetora e profundamente entrelaçada com a ideia de nacionalidade.

No entanto, essa continuidade não é isenta de atritos. A modernidade, tal como imaginada pela mídia ocidental ou por reformadores locais, muitas vezes chega com uma amnésia à qual Tbilisi resiste. A reconstrução arquitetônica ameaça apagar as histórias granulares incorporadas em bairros mais antigos. A cultura globalizada oferece uma estética sem raízes. A retórica política tende à clareza binária: pró-europeu ou antiocidental, nacionalista ou liberal, tradição ou progresso. Mas a cidade, em seu cotidiano, rejeita tais binários. Ela contém contradições sem cair na incoerência.

Essa capacidade — de manter a contradição — não é acidental. É histórica. Tbilisi foi destruída e reconstruída tantas vezes que sua sobrevivência não se baseia na continuidade da forma, mas na repetição do espírito. A cidade nunca foi imaculada. Sempre foi provisória. Essa é a sua genialidade. Não restaurar o passado como ele era, mas absorver suas lições e insistir na relevância.

O momento atual carrega uma pressão especial. Enquanto Tbilisi luta contra a gentrificação, a migração estrangeira, a ansiedade demográfica e a precariedade geopolítica, a questão de que tipo de cidade ela se tornará se torna mais urgente. Mas as respostas já estão incrustadas em sua estrutura. No fato de uma nova torre se erguer ao lado de um antigo pomar e ambos, de alguma forma, se encaixarem. Na forma como uma ponte do século XVII ainda comporta o tráfego de pedestres modernos. Na recusa dos moradores locais em sair, mesmo depois de compradas — optando, em vez disso, por viver entre os escombros de uma reconstrução paralisada.

Essa resistência não é heroica. Muitas vezes, é silenciosa, condescendente, teimosa. Um músico de rua toca as mesmas quatro músicas por anos. Um livreiro abre todas as manhãs, embora os clientes sejam raros. Uma mãe ensina a filha a cozinhar uma feijoada exatamente como a avó fazia. Essas não são apresentações da tradição. São a sua infraestrutura.

A cidade se lembra de si mesma não por meio de grandes declarações, mas pela repetição. Pelo retorno. Por continuar a fazer o que sabe, mesmo quando a estrutura muda.

E esta, talvez, seja a lição mais profunda de Tbilisi: que continuidade não é mesmice, mas insistência. Não a recusa à mudança, mas a recusa ao esquecimento. Não nostalgia, mas presença.

Tbilisi não se move em linha reta. Ela circula, recua, para e recomeça. Mas ela se move. Sempre.

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